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sábado, 26 de dezembro de 2009

Dias da minha ausência


Do meu lado esteve sempre, sempre a mulher que mais gosta de mim. Chegou o momento de se inverterem os papéis.
Passado pouco mais de duas semanas no hospital, estás de novo de regresso a casa.
Quando tudo parecia mais uma vez impossível, conseguiste vencer de novo, mas o teu estado é extremamente débil. Os cuidados agora têm de ser redobrados.
Olhavas para mim com um olhar aflito e implorativo, sem te conseguires expressar ou fazer uso dos braços inertes para me afastares.
Desisti. Não consigo resistir ao teu olhar.
Eu sei que tenho de o fazer, embora te possa provocar algum desconforto... ou talvez dor. Mas ainda não arranjei coragem para tentar de novo. Tenho tanto medo de falhar...
Passei um bálsamo calmante sobre as tuas pálpebras, que já estavam fechadas, e com dor, de tanto choro, e disse-te que tudo iria correr pelo melhor.
Disse-te que contemplarias o mar daqui a mais cem séculos, quando as rosas do jardim murchassem e eu me picasse mortalmente num dos seus espinhos. Que o tempo seria multiplicado por sete e alcançarias a imortalidade.
Isso acalmou-te. Passei de novo o bálsamo nas tuas faces que se encheram de alegria.
Falei-te do mais belo que havíamos vivenciado no mundo, e que tudo o mais era sem importância.
Disse-te…
Disse-te que estarias sempre comigo, e que guardaria o teu coração num frasco de alabastro branco, como o mármore das igrejas, e que serias sempre habitante das profundezas do meu ser.
Acalmou-te.
Sei que és a pessoa com menos culpa em tudo isto.
Fizeste-me passar mais seis horas de impaciência no hospital precisamente dois anos após o teu último internamento... o teu problema agravou-se. Mãe! Já não sei que fazer. Estou cansado e impotente.
Desculpa não sei mais como agir... penso... penso mas não sei. Tu estás mal, o pai está pior e eu estou... como só Deus sabe.
Se Ele existe, compreenderá a minha revolta e desespero... ao ver-te sofrer a ti que estás doente, ao pai que enfermo está. Eu, eu sou o que menos importa.
Apesar de tudo estão vivos e eu adoro-vos. A ambos devo tudo o que sou como pessoa.

Adoro-te pai.
Amo-te mãe.


In: Ano Louco (adaptação)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Porque sou um sonhador?


Muitas vezes viro-me do avesso na tentativa desesperada de ser poeta, mas o talento foge-me e por essa razão escrever basta-me.
Nestes dias em que a minha mente vagueia pela nebulosidade, a beleza confunde-me e o encantamento fere-me ao ver as chagas das ruas.
Sempre que vejo uma criança sofrer antevejo menos um raio de sol que brilha.
Julgo que caí na terra por acidente. Enquanto anjo tropecei certamente numa nuvem e aqui tombei.
Por essa razão sou um sonhador… um homem pacífico, distante, onde os sonhos predominam.
Sou um ser que imagina que o mundo pode ser um pouco melhor. São assim os sonhadores.
Por vezes deixamos passar desapercebido coisas boas na nossa vida.
Por vivermos de fantasia, muitas vezes esquecemos o mundo autêntico que nos rodeia.
Se amantes, vivemos constantemente na lua, as nuvens a nossa paixão.
Para o sonhador, aquela pessoa é um ser perfeito, incomparável, insubstituível... Mas não é mera criação de sonhos, porque quando encontramos alguém que nos chama a atenção é porque realmente essa pessoa é algo com que já sonhamos há muito tempo.
E quando a morte nos olha de frente, e nos sorri, o sonhador ergue a cabeça, e sorri sem receio de volta.
E só irei um dia lamentar esse momento, se deixar a vida sem realizar o maior dos meus sonhos... sonhar com a vida que concebo, com os ideais que visiono.
Mas, a derrota é nossa consorte, porque somos incapazes de vencer o autismo dos fidalgos que passeiam pelos campos de caça em busca de mais um triunfo.
Todavia, as lágrimas que me correm pelo rosto da derrota são mais importantes que a vergonha de me calar por dentro.
Sei que morreu mais um raio de sol, porque observei a expressão mais triste que vi até hoje.
O menino do gorro amarelo sujo. Crostas no rosto e nas mãos. Lembrou-me um quadro de um qualquer pintor flamengo do século dezassete.
Um corpo que estava pesaroso e abismalmente desolado, mas que de forma ágil fintava o transito caótico da Avenida da República, com a mão suja e trémula à procura de um cêntimo junto das janela cerradas dos carros apressados.
Fitei-o por um momento. Um lapso de tempo que se perdeu naqueles olhos negros e sujos.
O rosto assustado fazia lembrar a imagem de alguém que viu toda a sua família parecer num bombardeio de Gaza, a cabeça dos pais dilacerada por um atirador furtivo em Sarajevo ou o genocídio dos amigos num atentado em Bagdad, às margens do rio Tigre.
Fiquei todo o dia a pensar como foi a vida lazarenta que esse menino levou e que esculpiu aquela expressão.
E não me sai da cabeça, o rosto amargo desse menino.


22-12-2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

Todos os dias matuto nisto...




"Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor.


O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento."





Machado de Assis

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Traição de Psiquê


Na tarde do passado sábado, tive o prazer de conhecer (ou rever) 13 dos autores que participaram no Projecto A Traição de Psiquê.

Apesar do mau tempo, o auditório da Biblioteca encheu e procurámos dar à cerimónia a dignidade que a colectânea merece.
Seguidamente, teve lugar uma tertúlia subordinada ao tema do amor e do erotismo, da responsabilidade da Argo, nossa parceira, neste projecto, à qual alguns dos nossos autores e convidados assistiram e/ou participaram.

Aos autores presentes foram entregues os livros. Hoje, entretanto, fizemos seguir os restantes livros e documentos legais para os autores que não puderam estar presentes. A correr bem, livros chegarão entre 4ª e 5ª feira. Os portes estão pagos e, tal como se disse, oferecemos um outro título da nossa colecção de poesia.


Informamos, ainda, que, no final do mês de Janeiro, iremos seleccionar 10 livrarias, em Portugal, para onde enviaremos alguns exemplares de A Traição de Psiquê.
Com os melhores cumprimentos e gratos pela participação neste nosso/vosso projecto,

João Carlos Brito, editor




PS: Recebido por e-mail

sábado, 5 de dezembro de 2009

Fantasma de mim


Corria célere o ano de 1968. O mês de Novembro tremia com frio e com ele a escola primária da minha aldeia tiritava com o nevão das últimas horas.
O manto branco cobria parte do chão. As primeiras crostas de neve encostadas à berma faziam um improvisado muro branco.
Cai neve no campanário da igreja. Cai neve no meu corpo em flocos de saudades.
Nas árvores à minha frente, o gelo fez crescer as estalactites que derramam água vidrada, gelada, colorida pelos faróis, de carros que perdidos, vagueavam na estrada branca, dando a sensação que velas iam clareando o caminho. Todas estas sensações de momentos ganhos no regelar dos ossos são como espasmos de vontade inata de conquistar o mundo.
Este manto alvo e gelado desce a encosta revestindo a serrania, onde nem as lagoas escapam da brancura.
Abeirei-me da escola.
A porta está encostada, reconhece-se o espaço ali a convocar-nos.
Entrei sorrateiramente, olhei a sala escura. As janelas estão fechadas, a atmosfera é pesada, o quadro preto riscado ao de leve pelo giz alude que estou num templo de estudo. Um espaço sagrado da sabedoria que muitos procuram e nunca vão ter.
Não se vislumbra vivalma. Falsa conclusão. Após os meus olhos se adaptarem à penumbra, encarei com um rapazola sentado no centro da sala. Parecia um espectro preso a uma velha e desengonçada cadeira.
Aproximei-me mais um pouco pois a débil luminosidade podia atraiçoar-me. A custo olho as feições de miúdo enternecido que bem pode esconder um velho de espírito.
Escreve num bloco de capa preta, como se não houvesse amanhã. A mão direita riscando incessantemente a folha ebúrnea. Eram imensas as folhas salpicadas de azul-escuro, uma tinta que carrega o peso da vida, cheia de intencionalidade, de devaneios, os devaneios são a objectividade do que nos apetece, do que nos assola, aquele sujeito sentado na cadeira do centro pensa, sente, arrepia-se, comove-se, e isto é o que ele grava no caderno, não lhe peçam para inventar sentimentos, pedir-lhe isso é pedir que minta, que renuncie à sua própria vida. Aproveitei para espreitar por cima dos seus ombros, saber que coisa tão afincada concebe com toda a sua concentração. Apesar das minhas movimentações, nunca deu pela minha presença.
No topo da folha, em realce, “Se o arrependimento matasse…”, a lengalenga que a professora da primária certamente lhe meteu na cabeça. Fiquei curioso em questionar o que tanto o apoquentava. Mas por receio não o fiz. Mas, sei que responderia asperamente:
- Tudo!
Mas que tudo? Um rapaz que tão jovem parece, o que lhe faltará?
- Falta-me tudo!
Quantos de nós não sofremos deste “Falta-me tudo!”?
Tu, não? E tu?
Sim! Claros, todos já sentiram esta dubiedade.
Sem nada que o fizesse prever, uma tomada de consciência rebenta com a bolha da criatividade que o envolve, e soltam-se lágrimas das suas vistas que gotejam suavemente como um fio homogéneo e incolor, purificando o tumulto, a este pobre rapaz que por casualidade não foi brindado para assinar o tratado das paixões das almas.
Certamente que está ainda para vir a sociedade que agrade a todos, que pense nisso quem tem tempo para utopias, para sonhos desmedidos e hiperbólicos, porém que seremos nós sem os sonhos a não ser cadáveres conscientes, gente viva com coração de morto? Pelo menos quem se arrepende vive.
Mais uma vista de olhos no caderno preto do enigmático:
- As minhas desculpas aos meus sonhos imperfeitos. As minhas desculpas a todos os que magoei e vou magoar.
Da mesma forma irreflectida levanta-se, abre as janelas do mundo, e respira o ar maligno do arrependimento.
Senta-se mais uma vez, e mais um vez, na folha de papel:
- Como estou arrependido mãe.
Arrasta a cadeira de rompante, enquanto se dirige ao velho quadro. Trespassa como por sortilégio a ardósia negra, fazendo-o vibrar num alucinante e estridente som que se propaga pelo oco da sala. Observei estupefacto a tatuagem no negro do quadro vincada em linhas brancas de desilusão.
Muitos anos já correram, imensos nevões fustigaram o campanário da igreja, muitos flocos de neve escorreram pela minha face afogueando-a de saudades.
Hoje, em pleno mês de Novembro penso que esse rapazola era eu. Que transpus, através do quadro, para o presente os medos de criança, os fantasmas que sempre pressagiei.
- As minhas desculpas a mim mesmo.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Convite

domingo, 29 de novembro de 2009

A Traição de Psiquê

Capa da autoria do designer Aurélio Mesquita


Colectânea de poesia e prosa poética com a chancela da Editora Lugar da Palavra.


Autores:

Adolfo Fonseca_Alice Santos_Ana Maria Mendonça
António Sem_Ausenda Hilário
Bruno Miguel Resende_Conceição Bernardino
Daniel Orge_Dinah Raphaellus_Fernando Neto
Fernando de Sousa Pereira_Florbela de Castro
Francisco Grácio Gonçalves_Glória Costa_Isabel Reis
João Bosco da Silva_João Cordeiro
João Filipe Pimentel_Joe Outeiro_José António Pinto
Luís Manuel Ferreira_Manuel M. Oliveira
Maria Escritos_Modesto Nogueira
Mónica Correia_Náiade
Namibiano Ferreira_Nazarith_Octávio da Cunha
Paulo Alexandre e Castro_Paulo César Gonçalves
Rafael Atalaio_Romeu Braga_Silvério Calçada
Sílvia Soares_Silvino Figueiredo_Vieira Calado

Lançamento:

Dia 5 de Dezembro - 16 horas... na Biblioteca Municipal de Gondomar, onde o livro será apresentado no âmbito de uma tertúlia sobre o amor e o erotismo.
Dois textos do Sonhadoremfulltime farão parte desta colectânea.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Dezoito anos de eterna saudade


Freddie Mercury, nome artístico de Farrokh Bommi Bulsara (Stone Town, 5 de Setembro de 1946 — Londres, 24 de Novembro de 1991), foi o vocalista da banda de rock britânica Queen. É considerado pelos críticos e por diversas votações populares um dos melhores cantores de todos os tempos e uma das vozes mais conhecidas do mundo.

in Wikipédia


Dezoito anos de saudade - fiquemos com a homenagem dos Marretas ao imortal vocalista dos The Queen:



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Minha Culpa


Minha Culpa


A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

domingo, 15 de novembro de 2009

Sobre o amor


O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura;
e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos.
O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.
Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

Fonte: "Livro do Desassossego"
Autor: Pessoa , Fernando

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Que vida...


Esta tarde, após um dia arrasante, o desejo de uma bebida quente fez-me entrar num café.
Sentei-me num canto onde a penumbra me protegia e varri o olhar pelo espaço.
Naquela sala, os olhares arregaçam-se para um destino, o silêncio das mãos impera. Ouve-se o cantar das chávenas de café que nos assaltam a vontade e o desejo.
A saia raiada da lua entra pela janela e dá energia suficiente para que o meu pensamento arranque na observação dos sentidos.
As pessoas, na maioria idosas, confessam a sua vida como o seu último segredo. Os que ainda estudam, concluem apontamentos para o trabalho que lhes compete apresentar. Depois há as Brasileiras que se encostam ao mármore do bar e conversam com aquele seu jeito que faz nascer um sorriso até ao mais sisudo dos seres. A espera pesa nas pernas, pesa nas pálpebras. Todos são da mesma opinião, o dia nasceu muito frio, mas a lua já brilha para derreter a neve que pernoita nos olhares desta gente.
Que vida…

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Mulheres

Este pequeno texto é dedicado às mulheres que me acompanharam num jogo de fortuna e azar, apaixonante, delicado e perigoso em todas as suas etapas: A Vida.
Desde aquela que me carregou no ventre, às que me amaram, odiaram, me deram a mão segurando-me da fatídica queda, ou que me retiraram a alcatifa que absorvia o som dos meus passos que me assustavam, às que me querem, às que me ofertam gratuitamente a ninguém, a todas agradeço os preceitos que me transmitiram.



Amar-te mulher
Foi a génese de tudo
No adeus das cinzas dadas ao mundo
Quero morrer em amor maior!

Eu tenho na ponta da língua, o corpo completo da palavra.
Sinto na língua, as letras soberbas do teu corpo.
Decifro-te no sabor da minha língua e posso dizer sem pudor que adoro as tuas formas, o teu sabor integral.
Na ponta da minha língua, sei o fantasma da minha vida, sei de mim. Sei o que mais posso e devo fazer de belo.
Sei que na ponta da minha língua te posso fazer o corpo mais belo ainda.
Desenho o abraço à nossa medida. Faço o rio sereno e revolto e oferto-te um mar de vida.
Na ponta da minha língua, posso esculpir-te com estas mãos ancestrais num corpo etéreo, com mares nos seios, sedosa de desejos perenes.
Irei juntar água e flores na rota do teu gozo, largar-te a navegar sem bússola e deixar naufragar-te de desejo em flor.
Na ponta da minha língua colo o desejo no jardim suspenso do prazer, e na tua rosa pressinto laivos faiscantes de loucura, entrega, abandono e, dádiva na face da lua.
E a noite para mim é ouro. É na noite que eu renasço e tomo a lua de amarelos e laranjas intermitentes.
É na cegueira da noite que pinto com a canção dos loucos, a imagem feminina numa tela livre dos quatro elementos da vida.
O fogo por dentro da terra gela-me. O ar que percorre o mar asfixia-me.
Eu continuo fechado por dentro como uma estátua de pedra pura.
Fechado por dentro do próprio segredo.
Mas julgo ter a chave e um único desejo: abrir o mundo e dar vida à estátua que existe em mim.
Para que serve uma chave sem as mãos certas de saber abrir?
As minhas mãos são de sal desfeito ao sol do dia quente.
Para que serve um olhar sem olhos de reflectir?
Se o meu destino é nada ver de olhos abertos.
Deixem-me apenas ter poder, para não poder mais nada.
Soltem os cães dos sentidos sobre mim e deixem-me caído em qualquer sarjeta, porque eu continuo fechado por dentro, e apenas eu posso ser o carcereiro de mim próprio, com as chaves nas mãos desfeitas, ou a chave errada nas mãos inúteis.
Fecho-me por dentro se quiser e se o desejar, ando fechado no meio do mundo.
Na forja deito a ideia em metal incandescente moldando a chave que um dia me libertará do isolamento e das garras do só.
Eu falo para mim. Pergunto e respondo.
Mas por favor nada de mentiras piedosas. Estou farto. Eu sei e posso ver a mulher sentada no mar e no centro do mundo, livre como ela própria, livre por ser mulher.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O mundo já não é o mesmo, pois não, mãe?



Quando me ponho a pensar, a pensar desmesuradamente julgo que mais dia, menos dia darei completamente em doido. Isto se não o for já!

-Já fiz cinquenta anos, mãe. Sabias? Mas ainda sou o teu menino.
Pois, não tens consciência… desde há cinco anos que essa maldita te roubou a lucidez e o vigor.
Penso, torno a pensar, e elevo a rigidez dos membros, pousando as mãos como uma concha por cima do coração, certificando-me que ele ainda bate.


Amo-te!


sábado, 31 de outubro de 2009

YES - Soon

Coloque as asas do sonho e deixe a mente divagar ao som desta melodia desta fabulosa banda.


"Soon oh soon the light
Pass within and soothe this endless night
And wait here for you
Our reason to be here
Soon oh soon the time
All we move to gain will reach and calm
Our heart is open
Our reason to be here
Long ago, set into rhyme
Soon oh soon the light
Ours to shape for all time, ours the right
The sun will lead us
Our reason to be here
The sun will lead us
Our reason to be here
Soon oh soon the light
Ours to shape for all time, ours the right
The sun will lead us
Our reason to be here."


A primeira vez que ouvi esta música foi em 1974

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Meretriz


As pernas dela hoje estão quietas. São esguia como raízes apodrecidas que se agarram ainda à terra. Em sossego. Já não são livres.
O corpo ostenta marcas que contam a sua vida. Um corpo apenas que se usa massacra, e deita fora. Um corpo pervertido! Um corpo que fora belo e elegante como um modelo de passerelle. Agora, sobra um bocado de carne que mente quando geme, que chama de amor a todos os rostos que se atravessam com alguns pêlos na cara.
Agora, as suas pernas abertas são como dois campanários altos e sombrios, onde os gestos lânguidos dos minutos que percorrem os meandros do seu corpo, as entranhas húmidas do ventre, o bafo quente da boca.
As pernas dela, há muito tempo que não passeiam, que não correm, que não dançam. Já não se lembram do toque suave dos dedos de quem a amou dos lábios quentes que as beijavam com o ardor da paixão.
Presentemente, as suas pernas abertas são apenas testemunhas de línguas hirtas e duras, como se fossem uma matéria densa e viva, que penetra a boca quente e ávida de outro corpo, como um soluço de falso desejo que vai crescendo até se tornar violento e imperativo.
As pernas dela, já não dançam instigadas pelos sons melódicos, em frente à parede multicolor, bem desenhadas pela forma dos saltos altos que lhes vincavam a forma e a formosura.
Hoje, aquelas pernas são fantoches de diversão. Apetrechos colocados para o lado.
Aquelas pernas já não são pássaros, voando nas retorcidas calçadas de Lisboa em direcção ao amor.
As suas pernas já nem conseguem ser o que, afinal, são: pernas.
Actualmente, as pernas dela apenas escoltam as mãos frenéticas que apalpam os corpos, incapazes de sossegar dentro dos segundos, porque as mãos são extensões reais dos sentimentos do desejo enganador. Os corpos perfazem um ritmo compassado que ora se estanca para contemplar o olhar do outro, ora se apressa por não ver mais nada.
Já não fazem o que o que as outras fazem e, apesar de parecerem ainda gaivotas que mesmo tendo asas, não conseguem voar. São apenas silêncio. Um silêncio suspenso do seu corpo. Um silêncio comedido. E ela sorri-lhes, com os seus olhos caídos sobre elas: porque, na verdade, o silêncio é já a sua pele, é já o seu espírito.
Nas palavras ditas, proferidas, em surdina, com a voz quase rouca a sair de dentro da garganta, uma sensualidade profunda que rasga os segundos. E que incita e entusiasma. E que seduz e aprisiona. A inevitabilidade tamanha faz os corpos parecem unos e nunca mais se soltarem - nunca mais, enquanto ali estão.
De pernas abertas, finge que o sente. De pernas abertas, no seu interior sente-se dormente. Já não é capaz de sentir nada.
No compasso de espera entre um cliente e outro, acende um cigarro na esperança de ter um momento só seu, onde se possa encontrar a sós com o seu pensamento. Se isso ainda faz algum sentido.
Sentido, apenas a nudez mística do que faz, e a fonética e a semântica quando no final da batalha corporal ainda lhe chamam: “Amor”.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Ter consciência dói



Hoje gostava de escrever um poema, mas a tristeza assola a minha mão amputada de palavras nobres, a alma estraçalhada de ideias e o coração em compasso acelerado, mas desajeitado de rimas.
Quero lá saber de rimas.
Também não existem duas árvores iguais.
Penso e escrevo como a variedade das flores que encontro no campo.
Olho e comovo-me quando aprecio a mistura de cores que delas brotam.
Olho e comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado.
Olho e comovo-me quando olho para o branco do papel tingido por rasgos negros feitos com a minha mão.
Quero escrever de forma natural como a brisa que me afaga o rosto.
Quero ser livre como a água que corre no chão oblíquo, quero ser livre de mostrar a cor da minha alma.
Quero ser livre como o lácteo da folha de papel.
Quero ser livre como a brisa que se levanta ao fim da tarde no estio.
Mas, sinto-me preso como um pássaro sem asas, preso ao chão com amarras.
Sinto-me preso por querer voar e não poder.
Quero correr, quero fugir daquela parede bege que me sufoca com a falta de ar que me faz pesar os alvéolos. Magoa quando respiro.
Hoje, vou saltar pela janela e correr para longe, sem olhar para trás.
Sei que a vida ainda me espera. Só que quanto mais vivo, menos me conheço!
O meu interior é compartilhado, talvez seja por muitos, ou por ninguém.
Mas certamente serei alguém que não é de ninguém.
Habito dias tranquilos, outros como o mar revolto.
Momentos em que me sinto forte, outros em que me sinto carente. Mas mesmo assim, sou gente.
Quero descobrir quem sou. Sei que é deveras complexo, porque quanto mais me procuro, menos me descubro. Muitas vezes apaixonado, outras vezes na solidão do só.
Eu que não sou um homem de fé perdi a fé nos homens, perdi a fé em mim.
Porque sou diferente da maioria? Chega! Vou fazer como toda a gente.
Não suporto mais. Não quero saber de mais, porque a vida não foi feita para se viver assim.
Não me interessa se um dia morro à fome. Não me importa saber do papelão e do cobertor que vi há pouco no chão à porta da pequena capela.
Já não me indigno por saber que vivemos num mundo injusto.
Desisti. Não quero saber. Não quero saber do espoliado, do sofredor. Quero ser igual aos outros. A partir de hoje encolho os ombros e não quero mais saber. Afinal quem por mim sofre?
Quem em mim pensa? Tu? Ou tu?
Ninguém me responde. As respostas seriam certamente as mesmas de sempre. Os pensamentos iguais e à tua semelhança.
Será sacrilégio perder a fé? Isso importa? Fará de mim um homem mais feliz?
Não sei, não quero saber e não quero acordar.
A realidade magoa. Não quero sofrer mais. Não quero ter consciência.


Porque ter consciência dói.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sim, um homem também chora, quando parte.

"Um homem também chora quando assim tem de ser"
Pedro Abrunhosa

Ontem acordei com lágrimas no coração.
Olhei o céu durante o dia sempre com os olhos embaciados de tristeza.
Á noite… adormeci com o excedente das lágrimas a inundarem-me a alma.
Quando um homem chora, será que a dor se dilui?
Quero chorar até que as lágrimas me abandonem, como quem mostra desespero por escorrer num rosto molhado de dor e aflição!
Chorei diante do espelho, enquanto barbeava o rosto atestado de mágoa.
Lágrimas efervescentes transbordam-me do peito alagado de dor.
A primeira gota caiu-me sobre a face, escorreu-me pela têmpora e, delineou-me o contorno do maxilar, indo finalmente parar junto ao queixo numa quietude ameaçada pela cruel gravidade.
Já não sabia se conseguia mais chorar sem na realidade ter chorado. Era urgente chorar o passado, chora-lo todo, o mal amado, o feliz, o desgraçado!
Quero chorar para poder criar um lago onde ficarei submerso e escondido, à espera que o sol se ponha, onde ansiarei para que algo aconteça que contigo se relacione!
A chuva ainda não cai, mas a face continua acoitada por gotas escorregadias que surfam os contornos do meu rosto desgastado.
Quero chorar para branquear o meu passado, presente e futuro.
Afinal um homem também chora.
Choro quando amo.
Choro quando não me amam, quando sinto o meu mundo a esgotar.
Quero chorar porque não consigo aceitar a minha sinceridade, mesmo sabendo que quase tudo igual ficou independentemente da minha verdade!
Quero chorar, mesmo que me sinta mal e submeta o meu coração a uma descarga de aflição!
Sim, um homem também chora, quando parte.
Até sempre!

sábado, 17 de outubro de 2009

Esvoaçar de borboletas


Esta estrada virtual cheia de muros de um lado e do outro, que nos permite esconder tabus e preconceitos, dá-nos a protecção segura e necessária para termos coragem de desabafar anormalidades que não conseguimos quando enfrentamos os olhos a quem nos escuta.
Quando faço a minha ronda tal vigilante que tenta encontrar algo de anormal no seu percurso, muitos pensamentos me passam pelo juízo e porque não pela alma.
Será que esta espécie de diário que tanta gente passou a saborear, é de facto um “gritar” da dor que todos temos vontade de expelir?
Será que com o passar dos anos, do progresso, somos também cada vez mais infelizes? Cada vez mais isolados?
Embora não tenha formação filosófica para tal, perco-me a ler pedaços que encontro nesta sinuosa estrada do progresso.
Gosto de ler e principalmente conjecturar o “sentir” de quem escreve… e tiro sempre a mesma conclusão.
O ser humano é por natureza um ser insatisfeito, eventualmente seremos o animal, menos adaptado à sociedade que construiu.
Somos o animal que mais medo esconde, e tal como afirmo no meu livro “O lado escuro da lua”… “temos medo constante da solidão, da loucura, do desespero de não ser ninguém, da frustração, do medo de ter medo, o terror de voltar a estar no lado escuro da lua.”
Julgo que tentamos sempre perseguir a perfeição e esquecemos que somos animais que surgiram na terra, e que como as outras espécies que connosco coabitam, temos desejos, medos, frustrações… mas dizem vocês, sim, mas somos racionais.
Sem dúvida que somos, somos racionais, mas racionais particularmente para o infortúnio.
Lógicos para matar por inveja, por gula.
Pensantes para construirmos engenhos que mais dia, menos dia, servirão para a destruição do planeta.
Acertados, para tramarmos o parceiro.
Sensatos para proliferar guerras inúteis.
Prudentes para ferir o nosso semelhante.
Não! O meu mundo nunca foi totalmente azul, nem a minha vida foi sempre colorida como um arco-íris. Olho o negro céu, e confesso que por breves momentos, consigo ver algumas nuvens sombrias.
Por vezes quero gritar: Que se lixem todos estes pseudo racionais!
De manhã e como o faço todos os dias, faço a minha viagem de comboio até Lisboa.
Gosto de observar os comportamentos, os rostos, os sorrisos e até os bocejos.
Quando algo me prende a atenção, é uma simbiose entre nós apertados e borboletas no estômago.
Hoje assisti a um casal de idosos falarem dos netos e senti essas borboletas a esvoaçar entre as suas sábias palavras.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Fogo posto


Boa noite velha amiga! Sabes, se fosse agora, talvez não o fizesse. Não sei, talvez me retraísse, ou mesmo abdicasse de tudo.
Sabes que esta noite não parece tão acolhedora, este frio não é tão propício e, pior que tudo, não estou a ter o prazer que esperava. Por isso, se fosse agora, provavelmente não o faria.
Mas é tarde demais.
Está feito. Posso arrepender-me, e arrependo-me, mas não há mais nada a fazer.
É por essa razão que te escrevo. Para que um dia, quem sabe daqui a muitos, muitos anos, sejas capaz de me perdoar.
Perdoar não digo, entender também não. Já me basta a cólera que vais sentir quando vires o que eu fiz. Ou quem sabe, te acalme.
A minha ira não acalmou, por isso é que escrevo o que escrevo e fiz o que fiz.
Sim, sei que não é desculpa, de facto não é, mas não me consegui ver livre da raiva e ela tomou conta de mim. Guiou-me o corpo e essencialmente as mãos.
Levou-me até esta casa onde fomos, em tempos idos, felizes nas noites de luar brilhante, quando fazíamos amor no chão de pedra, isolados do mundo e da civilização por um pinhal maior que o pinhal de D. Diniz, quando, abraçados, jurávamos amor e paixão eterna e a chama ténue nos consumia pela noite dentro.
Agora o fogo consome a casa, daqui a pouco o pinhal, talvez seja capaz de me cercar sem eu conseguir fugir e me permita a honra de ser imolado por ele.
Quem sabe carbonize o meu corpo e esta carta e tu não chegues a lê-la nem a perceber porque o fiz.
Queria chorar agora mas não consigo desviar os olhos do fogo.
Dança à minha frente, chama-me, goza comigo, excita-me, enerva-me e intriga-me.
A paixão do vermelho e laranja, o som da madeira a crepitar, as faúlhas que se soltam no ar numa alforria eterna.
Olha velha amiga vou só ali acender mais um cigarro no fogo, para o apreciar melhor, para ser como ele.
Desculpa-me o que fiz. Mas não esqueças quem eu fui.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Ontem, hoje e amanhã




Existem momentos em que me sinto mais velho que o tempo, noutros, manifesta-se em mim um aroma a talco como o de um recém-nascido.
Ontem fui actor de uma película muda, a preto e branco, hoje sou espectador de mim mesmo. Sinto e vivo mais.
Nos bailes da vida onde ontem dançava leve e solto de movimentos, mas acanhado de sentimentos, hoje espectador, danço com todas as mulheres do mundo, todos os ritmos, rio todos os risos e troteio todas as músicas como as soubesse de cor e salteado. Cada estrofe, um momento de vida. Cada refrão, um momento de amor.
Ontem montei cenários de sensações, iluminados por lâmpadas de néon. Hoje, os cenários são albergues de desvalidas recordações, visionados apenas pelo luar, na paisagem lunar dos meus sonhos feitos de odores vividos, de mulheres que amei.
Como diz uma amiga… “Estou onde não estou, sinto sem expressão o que ficou por não estar.” Como te entendo. Eu completo-te verbalizando, que eu só estou bem onde não estou, só quero ir onde não vou, amar quem não devo e fugir onde só me perco.
Em tantos mares naufraguei sem nau que me abrigasse, tantas bibliotecas visitei que me perdi nas páginas de copiosos livros.
Em tanta cama repousei abandonando-me à sorte de frívolos amores, que em mim amadureceram. Alguns, convidando-me a desvirginar-lhe a alma. Também os houve, que me resgataram deste claustro de fobias e eu, sequioso mostrei-lhes os meus olhos despidos das mazelas do mundo olhar puro, virgem de vida e morte, inocente como um mito.
Ontem nada me doía, hoje dói-me o peito, a luz baralha-se-me a mente, relampeja-me em trovões, e estes zumbem-me nos ouvidos.
Ontem lia livros incendiados de paixão e sonhava com o amor sentido e genuíno.
Hoje, como um doido no escuro a vociferar impropérios, o meu punho inflamado e empolado de tanto rodar, os dedos tortos, os óculos baços, as canetas roídas, gastas e amontoadas, o quarto sem luz e no entanto escrevo e escrevo segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
Na ausência de papel escrevo no corpo. Braços, pernas, tronco, cabeça, o meu corpo polissilábico, pleno de azul e eu sabendo, nos momentos em que começo a fraquejar, que a luta apenas está a principiar, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
Hoje, as portadas da janela permanecem abertas, não me dei ao trabalho de as fechar, e também não me apetece mexer mais que a minha mão e o antebraço e mover os olhos sobre este caderno que tenho diante de mim, tão cheio de palavras, frases, expressões, poemas e textos.
Será que depois de ler o que escrevi hoje, de uma forma leve e espontânea acreditam que um amor e uma cabana tenham algum significado na minha forma de estar ou de escrever?
Será que sou mesmo romântico?
Será que penso demais?
Será que sonho com o impossível?
São muitos os que me perguntam quem me fez mal, quem me tornou tão triste, por aquilo que escrevo. São muitos os que deduzem que devo ser uma pessoa de bem com a vida. São muitos os que me acham diferente, são muitos os que me fazem perguntas às quais não sei responder, nem à maioria delas um dia saberei responder (tenho consciência das minhas limitações), porém… hoje chegou ao fim as continuas questões sem resposta. Existirá alguém por detrás de todas as minhas palavras?
Haverá?
Quanto a mim, guardo o meu segredo onde sempre o guardei, dentro de uma caixinha, e de onde sai de quando em vez, uma verdade, uma mentira, um sorriso, uma lágrima.
Sou um contador de histórias e sentimentos.
E agora vou levantar-me, erguer-me de novo, se cair, levanto-me.
Pode custar, pode até doer, mas a força de vontade tem que ser maior que a dor do embate no chão, e ainda que fiquem marcas, tenho que aprender a viver com elas.
Fazem parte de mim, e de um processo, que se chama Vida. As coisas simples, que por vezes, teimamos em complicar.
No entanto, ainda é cedo. Digo para mim, ainda que morra amanhã. Ainda é cedo, o amor ainda vai alto, claro que sim, um dia chegarei lá, e sem me dar conta, hei-de vê-lo desabrochar. Direi com ênfase, encosta os teus gélidos lábios à minha boca de pedra.
O dia irá ser enfrentado de frente e um de cada vez.
Agora, deixem-me estar.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Noite eterna


Os candeeiros da rua já se acenderam. É noite! Anoitece mais uma vez na fronha dos meus lençóis e tu não estás. Penso se estarás a pensar em mim!
Olho pela janela e fico encadeado com o esplendor da lua grávida. Penso de novo em ti.
Como desejava estar preso nos teus braços, sentir o calor do teu corpo incendiar-me as veias da paixão. Sentir o doce dos teus lábios colados aos meus.
Só, no encoberto da noite eu encontro a luz para sonhar. É à noite que eu pergunto tudo por ti, e peço à lua e às estrelas para te trazerem junto de mim.
Ando perdido. Sinto-me um enfermo dentro deste corpo sem utilidade. Um lobisomem faminto de amor. Tu sabes!
A solidão traz-me a mágoa por não te ter aqui.
A solidão traz-me a mágoa por não te poder abraçar agora.
A solidão que me magoa vai saber esperar.
Faço da lua cheia um farol para me guiar, pois só no escuro da noite encontro o clarão para sonhar!
Anoitece, mais uma noite que tu não estás.
No silêncio envio-te palavras de amor que tu escutas quando espreitas à janela do teu coração e o vento da alma te invade de palavras.
Palavras de saudade.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Verdade ou consequência?



Para que me queres?
Se rejeitas a minha simplicidade.
Para que elogias este meu olhar?
Se não pretendes olhar-me nos olhos.
De que me vale a voz doce?
Se não queres provar o sabor dos meus lábios.
De que me valem as palavras?
Se não me desejas ler ou escutar.
Para que tenho pensamentos maduros?
Se não os acatas tenros na sua essência.
Para que habito um corpo?
Se me escondo na sua sombra.
De que me vale ser sincero?
Se não confias na minha honra.
De que vale a espera?
Se a certeza não aguarda por mim.
De que vale ter uma casa?
Se apenas vivo entre escombros.
De que me vale amar?
Se nem eu me quero como sou.
De que me valem as promessas feitas?
Se o meu amor está mais longe que um santuário.
Para que me rogas para lutar?
Se no meu coração não existem campos de batalha.
Porque me acusas de querer audiências?
Se abomino os aplausos na ribalta.

Será verdade? Ou será apenas uma abominável consequência?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Em todas as ruas te encontro


Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco

conheço tão bem o teu corpo

sonhei tanto a tua figura

que é de olhos fechados que eu ando

a limitar a tua altura

e bebo a água e sorvo o ar

que te atravessou a cintura

tanto tão perto tão real

que o meu corpo se transfigura

e toca o seu próprio elemento

num corpo que já não é seu

num rio que desapareceu

onde um braço teu me procura


Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco.



Mário Cesariny, in "Pena Capital"

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Voltarei


"Nunca tiveste aquela sensação de amares alguém, de amares alguém muito, e as circunstâncias em que a tua vida acontece destruírem a possibilidade desse amor, apesar de ele continuar a existir dentro de ti?"

João Tordo in Hotel Memória

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Vou dormir




Vou dormir. A lassidão nos olhos provocada por uma semana louca, não me permitem enxergar os ponteiros do tempo.
Vou dormir. São horas de entrar no mundo que me é tão querido, o dos sonhos. Apago primeiro a lamparina da lua que ainda vagueia feita tonta, pelas paredes do quarto.
Vou dormir. O amor promove por mim a dicção do sangue que me percorre nas veias.
Vou dormir. Despeço-me com uma carícia do livro que tenho na cabeceira, que me vigiará os sonhos, para que não sangre como um homem incapaz e obscuro, que não beba o sal e o fel do homem solitariamente demente.
Vou dormir. O corpo necessita morrer por algumas horas, longe da dúvida que me habita no dia. E, na cegueira do céu, as pálpebras cerram-se, os ossos estalam pelo peso dos anos que já me afloraram o corpo. Ardo serenamente em fogo lento e abraço-me no grito mudo do homem marginal.
Vou dormir. Um caderno branco permanece aberto como um barco à beira dos frescos frisos da escuridão e como cego quebro-me por inteiro contra o muro da indiferença.
Vou dormir. Adormeço, sonho e vejo-te a sorrir como uma rosa a florir. Deixo-me ficar parado ao teu lado a observar-te como um anjo, que apenas te ama.
Vou dormir. Mesmo que seja apenas o sonho imaterial, mesmo que seja só a palavra calada, e que me negue ao poema sem valor digo-a aqui com voz em segredo, longe dos teus olhos e da tua respiração: “Existes em mim!"


domingo, 13 de setembro de 2009

Fantasia



No conforto da minha fantasia te traço os lábios.
Na incandescência da paixão esqueço o tempo,
Calo a minha boca colada na tua,
Silêncio e seda inventadas numa folha de papel.
Invento o momento,
Diluo as minhas mãos na tua pele rosada
E sorvo-te num impulso!
Guardo o pensamento na gaveta dos nossos segredos,
Derramo-me na nascente da tua fantasia,
Traço o meu devaneio na recordação de palavras escondidas
E espero-te as mãos e o corpo na minha ilusão!
Na minha noite que não chega, cheiro-te a ausência,
O segredo e os murmúrios soltos...
Abafa-me em toques de carinho, ousa...
Toca-me a pele, desliza por ela, sedenta de ternura.


Imagem: Google

domingo, 6 de setembro de 2009

O livro da nossa memória


Sim! Estou convicto que nada é por acaso.
Já tive o meu destino cravado nas minhas mãos. A decisão estava tomada. Todavia, um dia como munidos de uma pedra de jade riscámos e escrevemos por cima uma história diferente da primeira. Um enredo na qual já não entravamos.
Eu bem tento, quero… Sim, quero e preciso, mas não consigo. Não consigo. Que raiva fica de mim mesmo. Que me faz tropeçar? Que embriaguez me persegue que me faz vacilar como um temulento sofrido no vício?
Afogo-me num mar de justificações e encalho nos arrependimentos.
Longe vão os dias que trocávamos o sono pela alegria das nossas palavras fixadas nos nossos pensamentos enquanto ambos namorávamos a lua que nos iluminava o coração e a face ruborizada de desejo. Mas sem o querermos mudámos de história. Porque estaria gasta?
Mas sei que não a vamos perder, porque esses dias e noites em que implorávamos pelo nosso amor ficará escrito noutro livro.
No livro da nossa memória.
A perfeição não existe e aquele querer, o nosso sonho do mundo perfeito lado a lado fez-nos cair no dia que ficámos sem asas, e sem chão.
Peço-te, não abras a janela do nosso pequeno quarto para que a luz não penetre até nós e não destrua os nossos sonhos.
Vamos juntos impedir que a luz do dia deixe transparecer o tempo que nós perdemos em beijos e carícias Aninha-te em silêncio junto a mim. O teu toque é o suficiente para ler os teus pensamentos. Fica nua para mim.
Nega que tiveste outros. Mente que sou o primeiro, e que serei o último.
O meu desejo arde como uma ferida a pulsar. Quantas vezes me ausento de mim para te sentir mais longe e a ferida não seja tão dolorosa.
Com tanta contrariedade já mal distingo a cor dos teus cabelos, o toque dos teus dedos, o sabor dos teus lábios.
Mas tu sabes que nunca o esquecerei porque está bem embebido no livro da nossa memória.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


Amanhã vou marcar uma consulta para dois, pedir comprimidos genéricos a ver se isto passa.
Com as noites de sono que me receitaram já não vou lá. A lista de mezinhas que me ensinaram e que conheço já se esgotou. Preciso de descansar, de paz, tranquilidade e muito amor. Tu careces de reconstruir a tua vida, de te lembrares de quem és, sem que eu esteja por perto.
És livre, digo-te: acredita em mim.
Porque não voas?
Nem que seja para mim!



terça-feira, 25 de agosto de 2009

Uivo


O mar azul emanava o seu odor matinal que lhe invadia as narinas e lhe atulhava os pulmões de ar fresco.
O mar como companheiro dos bons e maus momentos, a testemunha de todos os sorrisos e de todas as lágrimas. Com ele partilhava a dúvida, o gosto da incerteza e o medo do futuro sempre tão incógnito.
Como resposta só obteve a espuma daquela água tão pura que castigava as rochas e invadia o infinito areal. Sentou-se com a cabeça estonteante de vazia.
Olhou para as dunas que pareciam cogumelos gigantes. Quando retomou o olhar apenas descortinou no horizonte uma mulher linda, coberta de branco onde ele se dissolvia numa escolha impossível.
Sentiu os diversos aromas que o cercavam. Como em transe e aos poucos foi-se aproximando e ficou preso aos olhos dela que cheiravam a mar.
Afagou-lhe os cabelos lisos cor azeviche atraindo a sua cabeça para o seu peito e com firmeza entrelaçou-lhe a cintura fina num acto de prazer inimaginável onde a fusão foi possível tão-somente por magia.
O corpo ofegou como um todo e, no mesmo momento em que consumia todo aquele mar, ele, num último uivo lancinante de prazer, espalhou sobre ela as ondas do seu amor.
Naquele silêncio de corpos, um último uivo, dela, fez-se ouvir pela encosta abaixo, no preciso momento em que os primeiros raios do astro-rei começavam de longe, a invadir a velha igreja.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sonhos meus...



Os meus sonhos são encrespados como as águas revoltas, gélidas e salgadas.


São feitos de reflexos inatos, incontroláveis como as experiências de Pavlov.

Transmitem escárnio como a Gaivota de Tchecov, são santos e pecadores como o crime do Padre Amaro e por vezes sedosos e azulados como as lágrimas límpidas do Tamisa.


São gritos à autonomia e à liberdade apregoados por Leminski e, parecem um arco-íris como os olhos de Natassja Kinski.


São extensos, muitas das vezes tristes e pernoitados, tais prostitutas prostrada à beira da estrada.


Pobres e eternos lutadores como Capitães de Areia de Amado e feitos de palavras negras, como A Canção Desesperada de Pablo Neruda.


Devassos e lascivos como as Memórias de Uma Moça bem-comportada contados por Simone Beauvoir.


São miseráveis e prostituídos como as sarcásticas personagens de Victor Hugo e timbrados nas fragrâncias de Chanel nº5 de pau-rosa.


São vividos e compostos nas quatro estações de Vivaldi ou como Um ensaio sobre a cegueira de alguns Saramagos bem entrosados.


São corpos nus soltando flechas de cupido em busca de Musas e Graças e esculpidos em gelo por tesouras mágicas nas mãos de Eduardo, como num conto de fadas da minha meninice.



São simplesmente sonhos




domingo, 16 de agosto de 2009

Vem!


Vem ternamente trazer-me o teu coração, anda que a noite é calma e hás-de dar-me razão. Vem devagar, pé ante pé, sem medo. Dou-te a mão no escuro. Amo-te em segredo.

Tenho medo!

Não tenhas, hei-de dar-te o mundo hoje.

O mundo?

O mundo inteiro que trago no coração!

Choro compulsivamente a alma tem destas coisas, choro porque sei que longe ou perto estaremos sempre unidos.

Vem hoje ainda em rebate trazer-me o teu coração, porque quero ter-te aqui na minha frente para chorar a olhar-te. Quero ter-te só por um instante e sentir-te a olhar-me. Quero-te ainda aqui... e aqui estás... porque o querer é magia!
Vem!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

No colo do vento


Deito-me no colo do vento, aconchego-me e sulco o seu peito de mel, sossego a calma e a ânsia que à muito me aflige.

E na planície do jamais, caminho de mãos dadas com o fogo do teu corpo!

Perco-me na chama das tuas palavras, bebo a tua língua nas palavras de amor que me dás!

Salpicas-me a alma de manhãs de nevoeiro, que traça em mim êxtases fabulosos de céus murmurando em uníssono.

Carinhos e destinos traçados além!

Corro à desfilada no teu verbo,

Abraço o teu desejo,

Mas não te encontro... como nos meus húmidos sonhos.




sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ouve



Ouve! Não digas nada.
Escuta comigo os carros lá fora, as luzes a entrar pelas frinchas da janela, as prostitutas em cada esquina gastas do amor.
Ouve os gatos a lutar por não terem quem os ame.
Ouve as pessoas que dormem na rua porque ninguém se importa com as saudades que elas sentem de casa sem poderem voltar atrás.
Ouve a autoridade que oprime o espírito humano, a verdade que é varrida para as sarjetas.
Ouve igualmente os pervertidos que espiam jovens para se masturbarem atingindo desta bizarra forma a satisfação.
Ouve os corações destroçados das pessoas que respiram morte, que vendem a vida e deixam as sobras nos transportes.
Ouve como a insanidade cresce a cada minuto, as doenças aumentam, e o amor diminui.
Ouve a inveja dos egoístas que apenas se contentam com o teu infortúnio.
Ouve, não estás contente de estar aqui deitada comigo?

Texto: JC
Imagem: Google

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Porque me fizeste nascer?


Fui nascido na penumbra de uma curiosa.
E quão difícil é nascer. Se o soubesse teria recusado a tal, e permaneceria para todo o sempre no teu doce e aconchegado ventre de mulher, minha mãe. Aí senti-me sempre seguro e protegido. Era eu, o genuíno, o verdadeiro embrião que se recusava a germinar.
Que doloroso é nascer, minha mãe.
Devias ter-me sussurrado, qual mundo me aguardava. Sim! Eu sempre te ouvi.
E quando tu prenhe, eu te ouvia cantar a “Senhora do Almortão”, sentia-me calmo, embalado e adormecia ao som da tua voz terna e confiante.
Mas devias ter-me alertado, como é complicado vir ao mundo.
Sabes mãe, o tempo é como um predador que corre atrás da sua presa e quando dei por mim, a lei da vida fez-me ver que já não era mais aquele menino que acariciavas e protegias.
Tornei-me homem rápido, ou melhor, um menino mais crescido, porque sempre segui fielmente os teus mandamentos e a minha essência ainda sonha e acredita neles.
Mas, quando neste menino surgiram os primeiros cabelos brancos, olhei por cima do meu ombro, e a saudade alagou-me o coração.
Devias ter-me dito que é difícil nascer, complicado crescer e insuportável viver.
Ainda ontem lembrei com certa nostalgia, aquilo que me dizias “filho, nunca cobices o que é dos outros.” Mas uma coisa é certa minha mãe, apenas tu me o dizias e ainda hoje me o dizes de modo diferente, mas eu continuo a compreender-te.
Sabes mãe, não vejo ninguém fazer o que me ensinaste. Não! Verdade! Sabes, não é este mundo que esperavas, que desejavas e enfatizavas.
Neste, no real, o caminho é longo, a estrada parece não ter fim, a jornada cansa. É uma estrada muito longa que me esgota cada dia que a percorro.
Sou uma flor fora de estação, uma árvore com as raízes soltas da terra que a alimenta, um planeta sem órbita á deriva em busca de um lugar, uma estrela que ofertou o seu brilho, enfim um homem perdido neste tempo e neste espaço.
Se eu pudesse perguntar ao tempo se ainda tenho tempo de esperar, de sonhar e de amar sem o tempo me levar? Mas, o tempo não tem tempo de esperar, de sonhar, nem de amar só tem tempo de passar.
E com o seu passar, vestiu-me uma máscara de desilusão, que tornou os meus olhos tristes.
E tu sabes que depois de tristes surgem e escorrem lágrimas quando vejo crianças que sofrem sem culpa, que morrem sem compaixão, doentes sem perdão, pergunto-me...
Porque me fizeste nascer?


Texto: JC
Imagem: Google

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Faz-me bem



Faz-me bem agora antes de me deitar imaginar-te, onde estarás?

Talvez a tomar um café sozinha num qualquer local, ou então em casa perdida a fazer zapping na tv enquanto enganas o sono que já chega...

Faz-me bem agora antes de me deitar imaginar-te, ver-te assim com um olhar incompreendido repleto de aragens vãs, com as mãos pousadas ao longo do corpo fraco...ver a tua boca seca...

Faz-me bem saber que estás sozinha a sentir a minha falta mas, ao mesmo tempo fico com vontade de ir até aí, encostar o meu corpo ao teu para me abraçares, ficar a beijar-te até o sono chegar e depois ir deitar-me contigo... dormir junto a ti nessa magia tão nossa.

Faz-me bem agora esta lembrança antes de adormecer em paz, antes de deixar o corpo tombar-se para o lado e meter-se ao acaso pelo mundo dos sonhos.


Faz-me bem!



Imagem:Google

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Só sei que nada sou e serei



Quero cercar-te em mim, para acariciar a tua pele, porque te desejo. Adoro sentir o teu perfume fresco e calmante quando nos amamos.
Desejo sentir o teu rosto no meu, e ouvir a tua voz que sussurra nos meus ouvidos.
Sentir a tua pele colada à minha, e ficar assim, abraçado na penumbra a falar dos nossos sentimentos, das nossas emoções.
É bom deixar que as nossas mãos nos explorem até a epiderme se arrepiar com lentidão, até a calma virar desejo.
Sentir o toque dos teus lábios nos meus como um fogo ardente que consome o meu âmago.
Necessito abraçar-te e não me sentir perdido na solidão que me consome.
Despir-me e deitar-me sobre o teu corpo como um simples hóspede, como um tempo passado, uma lembrança vaga, uma saída delineada. A minha pele dorme e mora nas tuas mãos. Sobre a memória do meu corpo persiste ainda a memória das tuas mãos a devassar inconfessáveis anseios, gemidos que ferem o perfeito silencio. A tua presença pressentida desarruma a nossa rotina.
Quero achar-me um dia. É inevitável. Julgo que é inevitável deixar de me encontrar, num ser que tem tanto para dar!
Mas, quem sou eu? Eu sou quem sou, e sou como sou. Tenho percorrido caminhos longínquos que o destino me tem reservado.
Confesso ser forte por fora na minha aparência, fraco por dentro, mas com paciência.
Mas não me deixes só porque não posso viver sem ti e o meu coração será apenas pó.
Por favor, preciso de ti. Olha para mim, não vês que sofro?
Tu és aquela luz que me ilumina os caminhos por onde ir, a vida certa, perfeita e me transmites a confiança e a razão para não me matar.
Desejo-te quando não te posso ter!
Odeio-te quando mais te desejo.
Quando a neblina da tristeza me invade, as palavras choram, as lágrimas caem. São sentimentos que no coração moram e que quando do coração saem, são palavras que lacrimejam.
Quero ser o que realmente sou, ou ser o que realmente não sou?
No entanto ser o que sou é excluir aquilo que não sou.
Então, como poderei saber que sou aquilo que não sou, se poderei sê-lo?
Só sei que nada sou e serei.



Imagem: Google

domingo, 19 de julho de 2009

Ilusão da palavra ou palavras de ilusão...


Depois de um banho com água fria, para acalmar o espírito, o stress de uma noite mal dormida, visto-me a preceito e corro como louco. Não te posso perder. Dirijo-me freneticamente para o nosso espaço habitual.
Apesar de o estio já ter nascido, a manhã estava fresca o que convencia a um pouco de conforto. De algum calor. Não podia arriscar. Enquanto corria ia monitorizando o relógio, o que me ia provocando uma queda que não aconteceu porque me consegui equilibrar ao bater num sujeito alto e espadaúdo, mas portador de uma cara cadavérica. Tudo, mas tudo foi importante pois alcancei-te a tempo. Respirei fundo várias vezes para renovar o ar gasto dos meus rarefeitos pulmões, e sorri. No entanto comecei a sentir um friozinho no estômago e a pulsação acelerada, tal e qual como quando do primeiro encontro. Que loucura a minha. Já há vários anos que te conhecia. Todavia, para mim era sempre a primeira vez.
Ainda lá permanecias e não tinhas partido. Vi-te ainda de longe. Desci numa corrida louca as escadas de mármore que me separavam de ti. Estavas imóvel, numa espécie de espera, de quem espera, pela hora certa.
Por vezes imagino que a vida tem banda sonora. Sim! Como nos filmes de Bertolucci. Lembras-te do La Luna? Sim! A sua obra mais polémica e obscura. E o que é a vida senão um fita, umas vezes cómica, outras dramática? Fecho os olhos e ouço a música de fundo. Sabes que existe uma para cada momento? Sim como nas películas, também na vida o “realizador” escolhe a música que melhor enquadra a cena. A que oiço hoje é triste, mas a melodia ajuda-me a chorar e depois paulatinamente estanca o manancial de lágrimas e deixa-me melhor, purificado.
E como de uma cena se tratasse cheguei-me de mansinho até te invadir e penetrar o teu interior.
A partir dali os corpos ficaram unidos de tal modo, que eu senti-a as batidas do teu coração. A minha respiração confundia-se com a tua. Entreolhámo-nos e sorrimos. O teu sorriso percorreu-me a medula e sonhei de olhos abertos: “Finalmente tenho paz. Não tenho nada nem ninguém à minha espera, não tenho horários, nem nenhum lugar para onde ir. Tenho apenas a tranquilidade da praia, o cheiro do mar, os gritos das gaivotas o calor do sol para me aquecer o corpo e a alma e a ti.
Nessa altura vou passar muito tempo a escrever. Escrever sem parar o que me vier a cabeça. Prosa, poesia, palavras sem nexo, cartas de amor para ti e para ti.”
Despertei e apercebi-me que de facto estava dentro de ti. Partimos juntos para a aventura. A loucura apoderou-se de nós.
Os nossos movimentos estavam sincronizados, como um relógio Suíço de quartzo.
Existia um vaivém cadenciado e regular. Por vezes esse movimento parava como impedido por algo que não dominávamos. Mas, entendíamos que assim tinha de ser.
Depois de alguns minutos, prosseguíamos cada vez mais rápido.
Por vezes sentia que te cansavas da mesma posição. Então, eu esforçava-me por mudar, para que te ajeitasses ao novo espaço dos nossos corpos.
Enquanto te ajeitavas deixei-me fugir de novo. Já não me encontrava ali. Tinha voado como um pássaro que habita em mim. Para muito longe da realidade. Um pássaro que se recusa a voar para a liberdade que lhe permito.
Mas ele recusa. Um pássaro que me pune com a presença, que me corrói as vísceras. Ordeno que voe, que me deixe, mas não. Não me obedece, não voa. Será um áptero? Continua a ferir-me todos os dias, até que me renda. Ave maldita que apenas te oiço chilrear e nada me dizes.
Mas não me alicias. Sou forte e resisto. Chilreia e tenta calar-me com essas asas castradoras das emoções. Busco-me a mim mesmo dentro da ave que me habita. Dou-me a liberdade que não quero, e fujo de mim num voo rasante no mar dos sentimentos.
E os sentimentos embebidos em amor e paixão estavam presentes quando aterrei de novo em ti.

O movimento é cada vez mais rápido e o suor começa a fluir, sem nada que possamos fazer.
Um calor enorme invade-nos a face e todo o corpo com tal intensidade que por vezes parece que vamos desmaiar. Mas não, uma atracção ainda maior faz-nos ainda mais unidos um ao outro e quando não aguentamos mais seguramo-nos...
Mas, estamos mesmo a chegar ao fim... mais um pequeno esforço... Até que...
Uma voz efeminada e metálica ecoa nos nossos ouvidos: “ próxima paragem, estação de Entrecampos.”




Imagem: Google

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Destino?



Penso, torno a pensar, e desde sempre pressinto que só pertenço aos sítios onde não estou e que só me entrego a quem não posso. NÃO? É um assunto para de novo cogitar até que a alma me doa. A minha vida desconchavou-se em mil cacos. Raramente me descubro.
Até a noite tomba onde não me encontro. É como uma anedota contada por cima de muitos copos de Super Bock, no fim de uma tarde estival.
No entanto quando a noite arrolha a tarde, uma brisa fria obriga ao casaco e, depois de estender o olhar uma última vez sobre Lisboa e o Tejo é hora de voltar a casa. E quando chega a hora, é muito mais fácil quando conhecemos tudo, sabemos o caminho, observamos os sinais e a estrada não é enganadora, mas a viagem tem mais sabor quando cada encruzilhada é uma incógnita e o destino, um indecifrável enigma.
Mas dizem que a noite pode ser assim muitas coisas, pode ser um castigo ou pode ser um bálsamo. E sempre que me vejo nessa incerteza nocturna, eu afasto-me das luzes e corro, corro muito pelas artérias de laje dura, corro a noite toda às voltas tentando encontrar-me.
Mas eu existo? Já não sei. Estou consumido. Dei-me sempre mais do que podia.
Antes, a solidão vergava-me, mas com o rolar do tempo povoei-a com alguns sorrisos, com uns pequenos e acanhados gestos de cabeça, que aderem à mente, e me dizem que ainda existo, que continuo vivo e que ainda pressinto o coração a afoguear aqui dentro do meu peito. E quando o silêncio se cala de vez, ele bate e eu oiço.
É tudo o que podemos ganhar quando se aprende a estar sozinho, tem-se tudo e não se possui nada.
Se morresse agora não deixava nada, porque bebi toda a minha sede, esvaziei-me, devorei noite após noite com o amargo que têm as coisas antes de nos pertencerem.
Sou um corpo que se evita, um homem cujo nome se arruinou no trilho do tempo.
Penso mesmo que o meu corpo vive hoje dentro do espelho, onde se perdeu o teu. Percebo que troquei um futuro mais que perfeito por um presente indicativo, só não entendo o que foi obra do destino, ou aquilo que foi intencional.
Julgo que foi, é e será sempre a incógnito da vida que nos conduz. A sorte é não lhe conhecermos o trilho.




Imagem: Google

terça-feira, 14 de julho de 2009

Oásis de amor



Quero beijar os teus seios de sereia, quero deslizar as minhas mãos no teu corpo de Deusa, como se fosses uma obra de arte feita pela mão certeira dum escultor, como se fosses barro nas minhas mãos de artesão.
Quero que me faças suspirar, de paixão, desejar, suplicar por mais, enfim gritar o meu nome quando estiver em ti.
Quero que sejas a minha montada e que me leves a percorrer o teu corpo como se ele fosse todo meu.Quero-te ouvir gritar, olhar o teu rosto em êxtase, penetrar nos teus olhos que envolvem os meus com os tentáculos da paixão.
Quero ser teu hoje, agora, e perder-me num oásis do deserto do teu corpo, onde poderei finalmente saciar a sede que me emprenha o meu ser.

Texto: JC
Imagem: Crystal

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Noite


É noite cerrada na minha alma de farrapos rasgada de dor

Noite cerrada como breu que não me permite olhar-te

Noite sem estrelas cintilantes que me alegram os olhos lacrimejantes de saudade de ti

Noite sem gesto de ternura que é consumada pela mão do teu ser de mulher

Noite sem ti no meu corpo vazio de sentimento e tão repleto de paixão

É noite cerrada na minha alma

Noite... e nada mais!


Escrito numa noite comum… e nada mais!
JC
Imagem: Google

domingo, 12 de julho de 2009

Quando


Quando as minhas mãos te tocam, sinto um corpo em êxtase, um corpo ardente de desejo.

Quando as minhas mãos te tocam, sinto que te ilumina a alma, o coração e o querer.

Quando te abraço, são dois corpos unidos pelo anseio da união.

Dois corpos que tremem de sofreguidão, de amor, que enlouquecem pela hora que não se vislumbram.

Quando te toco sinto o teu vibrar como se fosse a primeira vez.

Quando te abraço, sinto o palpitar de dois corações que em uníssono clamam pelo amor, pelo desejo.

Sinto embebido em mim o teu calor, o teu cheiro, a tua presença.

Quando nos acariciamos, deixamos cair no chão a máscara do dia e ficamos despidos de preconceitos, como dois inocentes que nada mais vêm, que a paixão.

Ao beijar-te sinto-te em mim.

Sinto-te na sensualidade que tão bem demonstras.

No azul do céu, no azul do mar; cor azul que penetrou no meu coração como uma seta mordaz, que me fere de desejo.

Ontem amor… ontem consegui chegar ao azul celeste, com os teus lábios e língua de amante impiedosa.

Ficaste com o sabor doce do sémen que te dei de paixão.

Depois saboreamos ambos nos teus lábios o sabor da vida…

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Amor Reflexo


Quando me olho ao espelho vejo um espectro… sem vida própria, sem traços de gente.
Por vezes não me suporto. Não me quero ver e cerro os meus olhos marejados de lágrimas que não vivem. Estão extintas de tédio, pois surgem-me diariamente.
E tal como estas lágrimas, o descontentamento invadiu-me a existência.
E o tempo não sara os estigmas do amor… principalmente se sopra e nada nos verbaliza. Passa por nós como um tornado que nos destrói a vontade, o querer… e eu fico prostrado como que atingido por uma abulia.
Por que é tão difícil fazer-te sair da minha vida?
Quando mais quero esquecer, mais as coisas que me rodeiam fazem recordar-te.
Ao matutar nos anos que já nos conhecemos e por aquilo que já passámos, as lágrimas caiem-me pela face como água límpida duma copiosa cascata.
Certos dias doem-me os olhos do pensamento, a cabeça de muito querer ver como te via.
Não gosto, nem quero pensar, que tudo foi em vão, porque sei que não foi.
Mas então, porque acabamos sempre por pôr um término ao que temos?
Sou insuportável, tu és intolerável. Existe entre nós uma sinestesia de corpos e pensamentos que não destrinçamos, com medo de deixarmos de existir. Como se eu te dissesse ao ouvido inspira, agora expira; como se me ensinasses tudo aquilo que sou e levei anos a edificar.
Não sou ninguém sem ti; tu recusas a sê-lo sem mim. Precisas de mim na mesma proporção em que preciso de ti.
Sei o quão doloroso é tentar esquecer-te e tentar apagar-te da minha vida... já o tentei uma vez, duas, três… não consegui e o resultado foi o que sabemos.
Não te quero apagar integralmente da minha vida... comportas ainda todas as recordações, das quais não quero abdicar.
Mas estas lembranças são demasiadas, e vão-me roendo por dentro.
Já, por várias vezes, pensei que és como um vício... e volto a considerar essa ideia.
E como viciado que sou, não consigo desintoxicar-me de ti... cheguei a um ponto em que te encontras completamente impregnada em mim, na minha mente, no meu sangue, no meu ser...
Nas minhas veias não corre sangue, circula ácido que me queima a alma, que me incendeia o coração num fogo-fátuo porque o sinto em putrefacção.
Já o não sinto dentro de mim, entreguei-o por vontade, por paixão. Sinto-me um infecundo da paixão, quiçá da alegria, imaginação ou até de mim.
Magoo-me tanto.
Magoei-te a ti.
E pior ainda, magoei outros.
Não sei que seria o mais adequado a fazer agora... se ficar, ou partir para outra...
Uma parte de mim quer isso... mas a outra parte agarra-se de unhas e dentes a ti...
Porquê?
Diz!
Não sabes!
Não sabes, mesmo?
Eu também não!
E te tanto tentar perceber aquilo que sou, sinto cansaço de tudo.
Principalmente de mim!
JC
Imagem: Google

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pinto-te


Pinto-te em letras escarlates,
Saboreio-te em traços de acasos mirabolantes
E segredo-te indecências brilhando no escuro!
Pingo-te nos olhos ternuras e sonhos,
Espreito por eles a tua alma,
Descubro emoções,
Incendeio-te o íntimo...
Entranho-me na tua pele,
Esqueço a tua tela,
E deixo-me consumir no fogo que ateei!

Escrevo-te os desejos,
Amanheço-te a fantasia
E encanto-te as noites de gélidas de amor.
Pintura: Fernando Barbosa

domingo, 5 de julho de 2009

Nu só para ti


Afundo os meus dedos em ti,

Os meus olhos nos teus...

O calor doce,

A tua língua

Em mim...

Fundo o meu cheiro no teu,

O meu sabor no delírio de um beijo!

E a chama dos sentidos,

Emoções a corar ao sol,

Desfaz-me o corpo de encontro ao teu...

Mergulha no meu sal,

Na minha água e na minha espuma...

Embala o teu corpo no meu,

Amacia a tua pele na minha água de rosas...

Que freneticamente preparei para ti.

E quando a penumbra que nos namore o banho

Se estender pelo delírio de valsas e tangos

A paixão encerrará em cofre de seda a tua voz,

A chave mergulhará no tempo!

Apenas as tuas mãos a saberão usar,

Em noites de lua cheia,
E banhos de espuma enluarada!

Nu só para ti!