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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Talvez o amor seja como o mar

Talvez o amor seja como o mar, que nos olha e depois nos deixa passar. Que nos refresca o olhar depois de tanto nos fazer chorar. Disfarça-nos as tristezas de escuros dias e depois desperta-nos para a vida.
É como o sabor do sal e a luz do sol antes do luar. O segredo que se refugia numa caixa de bonecas, assim, sem mais, sem ninguém o imaginar. O amor é como as lágrimas que vêm do mar. As palavras encerradas num resto de uma caixa de cartão, o sonho de uma rapariga, a viagem junto a uma praia antiga.
Lembrava com melancolia os quinze anos e o beijo de uma vizinha mulher.
Conhecia-a de habitar o quinto esquerdo do meu prédio. Éramos inquilinos do tédio, de nos cruzarmos nas escadas, de a apanhar, e ela a mim, a abrir a caixa do correio para a aliviar todos os dias de publicidade enganosa e contas que nunca pagava.
Eu era aquele rapazinho esquisito de roupa quente e humores glaciais que dizia bom dia, boa tarde, pouco mais.
Ela, já mulher, com cara de miúda amuada, nada uma flor de estufa, queria ser coisas e queria sê-las hoje. Como era que dizia? Hoje quero ser. Isto, aquilo, tudo. Muito inteligente, mas sem muita paciência para o som da tua própria voz, que eu adorava.
O amor não aconteceria, não fosse o carteiro ter-se enganado, naquele dia de luz fugidia mas calorosa e meiga de uma Primavera que chegava de avanço à hora marcada.
Desci o último lance de escadas no meu casaco preto, funesto, esfiapado e fui dar contigo a largar um cachão de envelopes directamente da tua caixa de correio para o balde do lixo.
Tudo lá caiu, com o roçar surdo de papel com papel abafado pelo rebentar dos teus balões perfeitos de pastilha elástica sabor a tangerina.
Não me viste. Seguravas uma carta com dedos de anéis grandes e ruidosos e unhas de gel. O teu semblante era de concentração, arrebanhando todos os pontinhos de espírito num lugar só teu, não os deixando desgarrar. E eu em silêncio, à espera, com medo de fracturar a linha ao teu pensamento. Até que, sem aviso, te viraste para mim, olhos como eu nunca vira, e disseste:
- Olá!
Calaste-te, depois disso, e eu nada disse. Fiquei a olhar-te, acho que com a minha cara de sempre, nem boa nem má, mas já estava completamente perdido de amores por ti. Portanto, devia ser boa.
Fizeste um balão que cresceu perfeito dos teus lábios rosa até esconder toda a tua cara de mim, por momentos e, quando explodiu, a pastilha desapareceu dentro da tua boca por artes mágicas e ali estavas tu outra vez e estendeste-me a carta ao comprido de um braço tatuado.
- És o Rui?
- Amo-te – pensei.
- Sim – disse.
- Parabéns… Foste seleccionado para um sorteio final das “Selecções do Reader’s Digest”. Podes ganhar duzentos e cinquenta mil euros. O carteiro enganou-se e meteu isso na minha caixa. Ele deve julgar que eu e tu somos parecidos.
Estendeste-me a mão.
– Sou a Carla.
- Sou teu – pensei.
- Sou o Rui - disse.
- Eu sei – disseste tu, aproximaste-te e debruçaste o teu corpo que cheirava a pastilha elástica e a sol sobre mim e a tua unha de gel sapateou no envelope.
– Diz aqui, não diz? Rui.
Larguei o envelope no balde do lixo, junto com a tua correspondência, e tu sorriste e aquele dia assim visto do teu sorriso parecia cheio de promessas que os teus olhos garantiam cumprir. Depois, abri a minha caixa de correio e despejei todo o conteúdo no mesmo balde e começaste a rir às gargalhadas com aquele meu último triunfo pessoal sobre todas as coisas e passado um bocadinho também eu estava a rir e passado outro bocadinho também eu estava a rir às gargalhadas. Então, disseste:
- És espectacular!
- Sou? – Perguntei.
- … Teu – pensei.
- Sim! – O teu grito de confirmação deve ter ecoado escadas acima até ao nono andar assustando todos os inquilinos que se deixavam dormir até mais tarde na esperança de com isso resolverem todos os seus problemas.
- Claro que és! Acabaste de tomar consciência da tua liberdade e pelo teu ar consigo perceber que gostaste. É como seres adulto e por um feliz acaso reencontrares-te com aquela inspiração própria de criança e aplicá-la a uma data de coisas. Reiniciaste a tua mente, não sentes? Não sentes a estrutura do teu cérebro a alterar-se?
- Isso é… - hesitei - porque estou apaixonado por ti – pensei - Pois é! É mesmo!
E ficaste a olhar para mim enquanto eu absorvia as cores arrebatadas da nova realidade e permitia que o sentimento de felicidade que desprendias tão generosamente me preenchesse com uma energia viral, isolando-me para sempre da melancolia azeda da solidão e algo em mim dizia-me “estás à vontade para interromper este estado de desvario quando te apetecer”, mas eu não lhe dei ouvidos. Era como se pudesse finalmente começar a viver a minha vida em vez de me deixar ficar sentado à espera. E então, parvo, eu disse:
- Quero casar contigo.
Foi estranho, eu sei, mas tu riste-te e disseste:
- Casar? Mas ainda nem nos beijámos.
E eu, caindo em mim, pensei:
- És capaz de ter razão. Não ligues.
Mas, gravemente parvo, disse:
- Não preciso de te beijar para saber que te amo.
Beijei-te à mesma.
Mudei de linha, saltei o verso. Escondi-me atrás das árvores de frutos vermelhos e brilhantes, tentei resistir, mas em pouco tempo mordi o pecado da diferença.
Há um momento suspenso no vazio do tempo. Um momento em que a vida nos mostra o quão frágeis somos e o nada em que nos tornamos num instante. Perturbante e errante ante o pressentimento do inevitável.
Resolvi pensar! Tranquei-me numa casca de noz. Pedi emprestado um quarto da lua e esmaguei a ilusão com dois ramos de salsa. Mandei passear o lençol pela avenida do amor.
Entretanto, já havia pensado!

(Baseado num texto que li algures)

7 comentários:

Carla Silva disse...

De facto, existem momentos em que nos sentimos sem chão...mas não me consola saber que sente o mesmo! Eu não o desejo a ninguém. De qualquer maneira, não há nada que o tempo não cure, não é? Fique bem e obrigada pela palavra de consolo!
Um abraço amigo.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido amigo
Como sempre belo texto...adorei ler.

Beijinhos
Sonhadora

Menina do cantinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Moi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Isabel disse...

Imaginação..criatividade..beleza na adjectivação..

É um prazer viajar neste mar de sentimentos..


Um abraço.

Penélope disse...

Meu querido,
O amor tem tantas formas... causa tantos sentimentos sublimes e antagônicos.
Esto dentro de uma casca de noz faz tempo.
De vez em quando saio, dou uma olhadinha aqui fora e volto para dentro daquele cantinho minúsculo e, se me perguntar se sofro ou sou infeliz digo-te que não.
Quanto ao desafio,bem... sou loira e como sabe as loiras tem neurônios de menos ( é o que todos dizem) rsrsrsrs.
Quero só ver, ganhar este desafio e teres tu que me despachar o prêmio para o Brasil... ou será que terei que buscá-lo?

Quanto ao teu problema de saúde, desejo tudo de bom e que não seja nada grave.
Beijinhos

Unknown disse...

Ola... gostei muito deste seu texto..
Faz-me lembrar minhas paixões de criança.... uma pexoa quanda anda apaixonada fica mesmo vulneravel ás situações.. tanto um dia nos transmite uma grande felicidade, como no outro a seguir uma grande insegurança, esquecendo o dia anterior.. mas ainda assim, tenho saudades desses tempos! Qualquer gesto era capaz de despontar uma magia que reinava em meu coraçao!
Beijinho enorme!
As melhoras rápidas...
da sua amiga rosy!