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domingo, 7 de março de 2010

Hotel Califórnia


Ontem saí à rua, de noite. Enveredei à esquerda na via principal e dei por mim numa estrada escura e deserta. O vento fresco penetrava pela janela do automóvel e acariciava-me a face esquerda e revoltava-me os frugais cabelos que me restam. Passei alguns quilómetros às voltas comigo mesmo, modesta companhia. Não vi rostos nem pessoas. Não vi nada. Apenas a solidão dialogava comigo o que me impedia de adormecer. Este é meu mundo. Um orbe em que a monotonia sou eu.
Um odor putrefacto emergia à arredonda do vento. Ao longe avistei uma luz de néon que tremia como eu de frio.
Quanto mais me aproximava da trémula luz, mais a minha cabeça rodopiava, causando-me náuseas. A vista começou a ficar turva. O suor gélido começou por me inundar primeiro as têmporas e de seguida todo o rosto.
A sensação que sentia era inesperadamente estranha. As pingas de suor cada vez mais abundantes inundavam-me a vista impedindo-me de ver a estrada. Encostei o carro numa berma. Desliguei o motor e abri mais o vidro da janela para que o vento frio me despertasse daquela infernal sensação. Ouvi o zunido da luz do candeeiro de rua que me cumprimentava com a sua melodia. Senti o roçar de algo no arbúsculo e vi de soslaio o brilho de olhos por entre arbustos. Aqueles olhos fixavam-me. Eu, contrariamente soltava-me do mundo real. Uma aragem trouxe o som longínquo de um comboio que passava rasgando a noite e retalhando o silêncio. Tinha de sair do carro e dar uns passos para despertar daquele letargo que me estava a condicionar a consciência.
Caminhei alguns metros, passos, de uma tontura perturbante. A custo cheguei a um banco de madeira que ali pernoitava indiferente ao escuro, ao frio e a mim. Numa conversa muda, queimámos cigarros e mais cigarros. Desabafei com ele sonhos, invejas, segredos e devaneios. Após algum tempo de parlatório comecei a sentir-me um pouco melhor. Estava a fazer-se tarde. Já a Lua nos sorria alto e ambos tínhamos sono. Ambos havíamos perdido a noção das horas e o céu já estava a fechar.
Logo de seguida começou a chorar e dele descendiam gotas que nos acertavam mas eram mornas, suaves e caíam suavemente como carícias.
O cheiro da terra molhada embalou-nos e tapou-nos com um pedaço de jornal da manhã que um qualquer mendigo deitou fora sem ler, amarrotado.

Lá estava ela na entrada da porta. O brilho do néon já não me afligia e vi na perfeição a silhueta da mulher vestida de vermelho. Um leve odor a sândalo prendeu-me as narinas. Passou a seguir-me e a acariciar-me o nariz.
Ao longe ouvi um sino, o sino da recepção. Pensei para comigo: “Estarei no paraíso ou no inferno?”
A mulher de vermelho acendeu uma vela e quis acompanhar-me até ao meu quarto.
Percorremos um corredor longo também trajado de vermelho. Ouvia vozes que se soltavam dos quartos por onde passávamos. Vozes afinadas, melódicas que me diziam:
“Bem-vindo ao Hotel Califórnia. Um lugar encantador. Um rosto encantador. Há muitos quartos no Hotel Califórnia que pode encontrar aqui em qualquer época do ano.”
A minha mente estava perturbada pela magia daquele local, pela beleza da jovem mulher que parecia deslizar as curvas do seu vestido vermelho sobre a carpete que cobria todo o corredor que parecia não ter fim.
Mais alguns metros, ela meteu-me uma chave na mão. Sorriu e deslizou de novo até ao fim do infernizo corredor.
Um homem de estatura descomunal, trajado de fraque preto veio ter comigo junto à porta do meu quarto e segredou-me: “Boa noite… Sou o porteiro. Desculpe, mas não dê muita veracidade ao que diz a recepcionista. Ela é possuidora de uma mente depravada. Finge ser quem não é… não passa de uma estéril de espírito que se desloca de Mercedes.
Assustado, eu queria entrar no quarto, mas ele agarrou-me o braço com a enorme garra e com um sorriso sarcástico continuou: “Ela tem vários homens, a que chama de amigos, mas que não passam de prisioneiros do seu insaciável desejo. Tenha cuidado, porque fará de si o mesmo…
Eu ainda mais apavorado, tentava desprender-me da prensa que me tinha algemado.
“Ontem à noite vi os lindos homens, dançarem no jardim suados como numa noite tórrida de Verão. Alguns dançam para lembrar, alguns para esquecer.”
Soltou um riso cavernoso, afrouxou a garra e desapareceu por uma porta que se entreabriu.
Finalmente entrei no quarto. Estava atordoado. Que fazia ali?
Passei as mãos trémulas pela pedra fria que vestia as paredes e senti a sua textura rugosa, porosa, como pele.
Peguei no telefone, chamei o Gerente e disse-lhe: “Traga-me vinho por favor”. Precisava beber…
Absorto, ouvi bater à porta. Com voz de comando disse: “Está aberta”.
Um garçon com ar enfezado e franja empinada colocou a garrafa no gelo com mestria.
“Sirvo?” Indagou com uma máscara de sorriso. “Não! Obrigado…” Ainda não tinha finalizado a frase e já ele rondando nos calcanhares se encaminhava para a porta. Com a mesma máscara colocada na face disse-me colocando o queixo no ombro: “Já não tínhamos este espírito aqui desde 1969.” Não entendi.
Peguei na garrafa e atirei os ossos para o leito que me desejava. Sem respirar engoli metade do néctar que me anestesiou totalmente.
Por vezes era despertado no meio da noite com as vozes que soletravam: “Bem-vindo ao Hotel Califórnia. Um lugar encantador. Um rosto encantador.”
Algumas horas depois abri os olhos pegajosos e turvos e descortinei a mulher de vermelho, que me disse soprando ao meu ouvido: “Bom dia estrangeiro. Dormis-te bem?”
Completamente zonzo olhei pela primeira vez para o tecto espelhado. Devolveu-me uma imagem de um homem esgotado e extraviado do seu rumo.
Ela, colocou uma garrafa de rosé no gelo, acenou-me um adeus provocatório e sem mover os lábios escarlates, disse: “ Todos nós somos prisioneiros por nossa conta.” Desvairado, abri a porta do quarto, corri a passadeira infinita do corredor até chegar a uma área que destoava do cenário. Uma porta semiaberta, de cor alva e onde assomava um ar fresco que me devolveu um pouco de estimulo. A medo empurrei-a, e no centro de um quarto todo branco, jazia uma criatura linda e delicada. Nua e feminina. Em posição fetal, notavam-se as cicatrizes de lutas tatuadas na pele suave. Cabelos escuros, lisos, serpenteavam-se pelos ombros. Os olhos negros abriram-se lentamente e miraram-me, como se tivessem captado a mesma essência que eu mesmo captara ao deparar-me com tal etéreo anjo. Ao segundo olhar tomei consciência de que era realmente um anjo… um anjo que perdera as asas, pela salvação de alguém.

O dia brotou cálido. O barulho que dormiu comigo acordou em alvoroço. O meu banco amigo tinha-se calado. Estava imóvel. Mudo. Os meus olhos tinham dificuldade em olhar para o despertar da manhã.
Mas amanheceu. E nesse dia amanheceu tarde, mais tarde que de costume.
No caminho de volta para casa vi as árvores nuas como se tivessem sido despidas à pressa. Já nem pressentia a passagem dos comboios e os candeeiros da rua apagados, sozinhos ao longo do passeio, já não me cumprimentavam. Nada era o mesmo. Ninguém, mas ninguém sabia o que se tinha passado. Nenhum ser ouvira aquelas estranhas vozes que me martelavam a mente… “Bem-vindo ao Hotel Califórnia. Um lugar encantador. Um rosto encantador.”
A última coisa que me lembro, foi a corrida para a porta para fugir dali e voltar ao meu fadado destino, quando o porteiro com a sua voz sepulcral, gritou: “Nós estamos programados para receber pessoas como tu. Podes assinar a saída as vezes que quiseres, mas nunca poderás sair daqui!”

Texto inspirado no tema “Hotel Califórnia” dos Eagles.

6 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido amigo
Que história encantadora...prende-nos às palavras do princípio ao fim.
Maravilhoso.

Beijinhos
Sonhadora

Ana Isabel disse...

Um sonho??

Um desejo??

Estes momentos,que tão bem descreves,fazem-nos sentir parte integrante da história,vivendo as emoções..a solidão..a procura..


Escreves muito bem.

Um abraço

Ana Isabel

Moi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
catwoman disse...

uma história baseada numa das músicas que eu mais gosto, que tentas vezes me fez sonhar, outras tantas desesperar,só poderia sentir-me presa à história da mesma forma que me sinto presa à música cada vez que a oiço.

bjs

Susana Vaz Pedro disse...

Magnífico! Que hora de inspiração!
Um beijinho!
Su

Menina do cantinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.