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domingo, 10 de abril de 2011

Pode no entanto já ser tarde.

O que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção. E o maior dos bens é de pouco valor, já que toda a vida é sonho, e os sonhos não passam de sonhos.
Caldéron de La Barca












O ano de 1990 digeria-se velozmente, como querendo acabar com os seus derradeiros dias. Tinha sido um ano bondoso e ingénuo, tal como Johnny Depp no papel de Eduardo Mãos de Tesoura. Para além de cândido, foi um ano que passou sem deixar rasto. Esvaiu-se nos dias e meses sem grande interesse.

De cabelos rebeldes e molhados, olhos da cor de azeitona e pele albume, Ana Patch parecia ter saltado de uma tela do pintor francês CHANTRON.

Dona de uma fantasia sem limite trabalhava na fábrica do pensamento, na secção da imaginação.

Tinha a seu cargo os sonhos eróticos de milhares de portugueses acima da idade regulamentar, uma vez que antes dos dezoito anos era interdito sonhar com determinadas temáticas.

Ana, já era adulta. Tinham decorrido uns céleres dezanove anos. De uma beleza apática, sentava-se finalmente em frente do sistema central da alucinação e com os olhos impassíveis na consola da ficção. Acendia um cigarro para entreter os dedos e queria uma ilusão.

Antes, um amigo arrumou-lhe um lugar pelo departamento das aspirações políticas, mas cedo percebeu que não tinha jeito para mentir, nem para administrar.

Preferia de certo modo acompanhar as pessoas nos seus tempos de lazer, proporcionar doces ilusões de felicidade.

Prostrada na cadeira, os dedos dormentes não cessavam de calcar as teclas. Os olhos irados de esgotamento varriam as estradas virtuais em busca do eudemonismo.

Se dois amantes se zangavam, nessa noite era sabido que sonhariam um com o outro, e com os melhores momentos que tinham passado juntos. Amanheciam mais tranquilos, com um sorriso apaziguador nos lábios, e sem se lembrarem como, já tinham feito as pazes.

Por sua vez, Ana ultimava as pazes com Deus. Mas o cansaço começava a tolher-lhe o corpo. Já sobrava noite no luar da sua vida. Começavam a faltar estrelas no céu da sua incessante ilusão. Muitos sonhos desfeitos e sem guarida trouxeram dias vestidos de noite. Mas nunca desistiu. Certo dia a base de dados devolveu-lhe uma bonita e tristonha jovem. A solidão espezinhava-lhe os dias. Incessantemente tentou encontrar alguém que pudesse ajudar a bela jovem. Noutro lado daquela estrada sem fim, um rapaz chorava pela perda do pai.

Ana elaborou um programa para desviar aquelas lágrimas, para que corressem noutra direcção. A água daquelas lágrimas regaram a jovem ajudando-a a permanecer viçosa.

“Não murches ainda mais a minha vida. Fica a promessa que quando te encontrar te amarrarei com correntes roubadas à lua.” Disse-lhe o rapaz através de e-mail.

Comia um pedaço de pão, nunca desviando uma nesga a atenção do luminoso monitor, até novo ciclo recomeçar.

Esta estrada virtual cheia de muros de um lado e do outro, que nos permite esconder tabus e preconceitos, dá-nos a protecção segura e necessária para termos coragem de desabafar anormalidades que não conseguimos quando enfrentamos os olhos a quem nos dirigimos.

Quando fazia a ronda tal vigilante que tenta encontrar algo de anormal no seu percurso, muitos pensamentos lhe passavam pela mente e porque não, pela alma.

Será que esta espécie de diário que tanta gente passou a saborear, é de facto um “gritar” da dor que todos temos vontade de expelir?

Será que com o passar dos anos, do progresso somos também cada vez mais infelizes? Somos cada vez mais isolados?

Num canto do monitor assistiu a um casal de idosos falarem dos netos e sentiu borboletas a esvoaçar entre as suas sábias palavras.

Estava na hora de fazer correr outro programa. Umas linhas de código dirigidas aos menos jovens.

Aprontou o ébano e o carvão das esperas e das despedidas.

As viúvas passaram muitas vezes a sonhar com os seus maridos sumidos, e com o futuro risonho dos filhos e dos netos, uma preparação suave para a partida breve.

Mas o que lhe dava mais prazer era construir novos casais. Procurava na base de dados horas sem fim, os interesses e ambições de cada jovem, até encontrar um par que fosse a combinação perfeita. Depois, punha-os nos sonhos um do outro durante várias noites seguidas, sempre em cenários paradisíacos, praias, biquínis, sol e mar. Os sonhos iam evoluindo suavemente, mudando de cenário, desapareciam por um mês, para reaparecer em seguida.

Até que um dia, por algum acaso, os dois protagonistas se cruzavam na rua, nos transportes, ou se encontravam numa festa.

Surgia de imediato uma cumplicidade, uma empatia que eles não sabiam a que deviam atribuir. Apenas sabiam que se sentiam terrivelmente bem um com o outro, como se fossem velhos amantes. O primeiro toque, já não era uma surpresa, enchia-os da certeza do amor eterno. E isso, mais que tudo, deixava-a feliz.

Os anos passavam por ela como raios de luz e cada ano que passava, evaporava-se a sua pertinácia. De pretensiosa consciente, a pedante aluada, de bonita a vulgar e de mulher cobiçada, a velha avarenta. Sem ambição e com sonhos a preto e branco, procurava a expectativa que mingua proporcionalmente ao galopar do tempo.

Sentir o dia a esvair-se, com os dedos dos pés massajados, o humedecer dos lábios por uma bebida ordinária. Daquela que acidifica o estreito, com borbulhas.

Ana será a partida para novas definições de estilo. Gosta do que as coisas deixam de erótico. Quer seja a vida real a ensinar, quer sejam os sonhos a preto e branco a transformar tudo numa sopa de letras partidas, aquecidas num pequeno fogareiro a petróleo.

Aprendeu a repousar em cima da almofada da esperança, e que esta a ajude a esperar. Faz sentido, porque as coisas têm mesmo o seu tempo de acontecer. A sociedade evolui, porque as pessoas gostam de se confrontar. E devemos saber esperar, pois tudo vem no momento próprio. Nem antes, nem depois.

Por isso, espera com as mãos debaixo dos sovacos, e cumprimenta o tempo que passa com um sorriso, entremeado com uma lágrima. É a sua maneira de sorver a energia dos minutos, das horas, dos dias. Ela gosta que lhe diagnostiquem pequenos problemas existenciais em função do que faz questão de mostrar. Se é o que sempre foi, e nunca será aquilo que os outros querem que ela tivesse sido, para quê forjar cenários de extinção. Mas é um mundo de finos cabelos soltos. Basta um acariciar descomprometido, duas rajadas de vento em final de tarde, e a bruma cai. Deixa-se então arder no ar quente da indecisão, e faz de si também uma espécie de nevoeiro impenetrável. Parou uma fracção de segundo e por cima do ombro olhou o calendário gregoriano que pendia torto da parede de manchadas de verdete. Semicerrou os olhos e com alguma dificuldade apercebeu-se de que decorria o mês de Março de 2011.

Envolta na densa neblina espera ainda encontrar um dia, na imensa base de dados, o par ideal para a sua vida, aquele que irá sonhar com ela noites a fio, e acordar um dia com a certeza de ter descoberto o seu amor.

Pode no entanto já ser tarde.

2 comentários:

elle disse...

...como compreendo este sentimento...
há momentos em que pensamos que pode já ser tarde...

elsagnes disse...

Nunca é tarde para continuar a amar quem sabemos amar e nos ama.

Beijo