“O amor não é o bilhete de identidade”: Sérgio Godinho
O amor não é tábua de salvação de náufrago. Quem se afoga, às golfadas, precisa de colete ou bote salva-vidas. O amor não faz boiar melhor.
O amor não é posição de autista a olhar para o próprio umbigo. Quem não olha o outro ama uma parte da sua própria imaginação.
O amor não é carta branca para denegrir a pessoa amada. Quem se julga superior por amar um ser inferior esconde problemas de auto-estima. Precisa da ilusão de superioridade moral que mantenha recalcada as dúvidas sobre os seus defeitos.
O amor não pode concorrer com o Xanax. Quem acha que não consegue dormir sozinho deve ir à farmácia pois os senhores que fabricam, distribuem e vendem soporíferos também têm filhos para criar.
O amor não é o Neoblanc gentil. Não branqueia a sujidade depois da porcaria que fica dita.
O amor não usa megafone de feira daqueles que anunciam: “ é o amor, meus senhores, é o amor! Do verdadeiro, do tradicional, do que vem dos tempos imemoriais, do Romeu e da Julieta, do Tristão e da Isolda e outros artistas que tais.” O amor não precisa de propaganda. Não se anuncia. Ele fala no silêncio.
O amor não impõe a obrigação de assegurar uma cerimónia fúnebre condigna a cada espermatozóide que os testículos do amado produzem.
O amor não sabe jogar poker.
O amor não anda na Montanha-russa.
O amor não é uma avestruz insaciável.
O amor não é um Nenuco chorão.
O amor não estudou retórica.
O amor não odeia.
Postado em Fevereiro 16, 2008, no site Escritartes, por anamarques
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