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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Circo do Amor




A cidade “Afrodite” despertava da letargia da noite como uma ave preguiçosa a abandonar o seu ninho.
O rumor afinado dos pássaros cortava o silêncio e espalhava-se nas calçadas das ruas, na escola primária, no jardim da infância e na areia alva do velho “Rio Eros”.
As moçoilas caminhavam até o açude com suas latas, botando em dia as novidades de amor. E mesmo na volta, com aqueles pesos em suas cabeças, ainda tinham ânimo para conversar.
O circo chegou! Alegria geral, pois a cidade mudaria por um tempo. A cidade e todos nós. Viver é amar e amar é um circo nómada.
Há uns anos trabalhei num circo. Fui palhaço. Mas era um circo que caía aos pedaços. Não tinha chão. Apenas o pó era visível e a lona era o manto da noite, as suas estrelas, os holofotes.
Fui o palhaço de sapatos grandes com um sorriso aberto e contrafeito. Pintava o meu rosto de corres berrantes.
Era palhaço mal amado! Sou palhaço mal amado!
Dei na vida passos desequilibrados, que me fizeram tombar ao chão do desencanto e do desesperado.
Que saudades que aninho no coração.
O sorriso aberto das crianças, dos meus pés muitas vezes descalços de sapatos e de esperança. Do meu rosto pintado com as cores do contentamento, tentando representar um mundo de fantasia, um mundo de sofrimento disfarçado em alegria. Afinal também se vive no âmago de um palhaço.
Que saudades de te ver, a sorrir, a chorar. Que falta me faz o teu carinho, o som dos teus aplausos.
Já não sou palhaço!
Agora, talvez um adulterado trapezista, satisfeito com piruetas e saltos de braços em braços na esperança de que alguém me segure da queda fatal.
Inebriado e alucinado de vivências falazes, que são despojos de nublados afectos que tornaram a minha alma ansiosa, isolada, e sedenta.
Assim é o circo do amor! Aparências, sonhos, ambições e desenlaces, alegrias, tristezas, estados hilariantes e agonias.
Era sempre assim. O circo chegava, encantava e, de repente, evaporava. Levava seus encantos, a graça do inusitado, e muitas vezes até alguém da cidade. Mas, deixava também, as saudades e as lembranças com que me apego agora, tanto tempo depois, mesmo sabendo das verdades cruas de quem mora no circo estéril do amor como aqueles que visitavam a minha terra.
Meninas e Meninos, Senhoras e Senhores, sejam bem-vindos ao circo do amor. Para quem gosta de encantamento, o circo do amor tem a honra e o privilégio de vos apresentar o maior espectáculo do mundo.
Vamos dar início ao mundo da fantasia sem truques e apenas com o poder da mente, a magia infalível de “Mister Paixão” que nos irá apresentar o seu grande número de magia urbana.
Peço pois, a vossa máxima atenção, para “Mister Paixão” e a sua “partner” na sua fabulosa arte da ilusão.
As luzes arrefecem a claridade do palco ao inverso dos corações que amornam com o suspense.
Uma nuvem beija a boca de cena e como um relâmpago o ilusionista está no palanque.
O mágico, com gestos meticulosamente apurados faz levitar a diva assistente, e em simultâneo afasta a incansável e feliz fuga da rotina, como um coelho que sai da cartola. São as surpresas que gostaríamos que fizessem parte de nossos dias.
Em júbilo e em êxtase, a assistência aplaude, o magnifico desempenho do actor numa atmosférica épica parecendo uma festa afrodisíaca da Grécia antiga.
Todos temos consciência o quão devastador pode ser o quotidiano de uma relação.
A assistente, aquela figura de formas esculturais vestida com um adorno que demarca cada curva de seu corpo, mostra o que muitas vezes nos propomos fazer para chamar a atenção do ser amado, seja como amante ou companheiro e a infinita cobrança com o corpo perfeito e a insaciável disposição para amar e distribuir sorrisos, apesar da passagem feroz dos anos.
Será sempre assim?
Talvez dependa da vontade e afinco da assistente.
A arte mágica deu lugar ao palhaço alegre, bem maquilhado e com um enorme sorriso nos lábios.
Todos sabiam que aquele colorido representava a pessoa amada. De uma maneira geral, apaixonamo-nos por pessoas que nos fazem rir, porque nos trazem sensação de alegria e bom ânimo constante.
O palhaço triste, e mal enjorcado, entrou a meio, e meio grogue trazia consigo estampado no rosto as lágrimas e sorriso fechado.
Na forma de plebeu representa a angústia do ciúme e tende a fazer com que o medo de perder o grande amor faça justamente o que tanto teme.
O ciúme exagerado torna as pessoas impacientes e carentes, afastando a cada dia o ser amado, como uma ampulheta a derramar grão por grão de areia levando pouco a pouco, um tempo que infelizmente não volta atrás.
De seguida, as cabeças ergueram-se para cima. O topo foi iluminado. A plateia ficou na sombra do homem do trapézio. O corpo esguio e poderoso de equilíbrio indefectível representa a confiança, a fidelidade.
A plateia em tétrico silêncio reza em surdina para que tudo corra bem. É bem conhecido de todos as consequências de um tombo fortuito. A queda da confiança uma vez estatelada ao chão tem como trágica consequência, senão a morte, no mínimo sequelas profundas e dolorosas.
Felizmente tudo correu na perfeição e como previsto.
Agarrado à corda da lealdade, o trapezista deixou-se escorregar lentamente até atingir o chão. Beijos saíam da sua boca em direcção à plateia, rendida pelo fabuloso trabalho de “Eros”.
Como é belo ser trapezista no circo em que o amor se transforma. E vivemos sempre lá em cima, trapezistas da nossa própria existência, bailarinos da nossa própria esperança.
Quem cai por amor, cai sempre para cima!
Todavia o amor para subsistir e vencer tem de ser nutrido. Eis que se ouve um estrondo de motores… Lindo! O poço da morte. Os protagonistas estimulando as leis da física, cruzam-se e voltam a cruzar-se com um ruído perfeito de sintonia.
Aqui assistimos à adrenalina, ao ápice de intensidade, aos ruídos e emoções do sexo apaixonado. Os presentes aplaudiam cada gesto acrobático de boca semiaberta de emoção deixando escapar “ais” de deleite pelo êxtase que os abraçava.
Alguns rugidos invadem os ouvidos dos presentes. Há! São leões!
O domador “Ovídio” surge inesperadamente com um livro na mão. As feras são subjugadas pelos poemas de “Metamorfoses”.
Que prelecção podemos tirar? Os leões cedem como que magnetizados por algo divino.
Também nós abdicamos na relação, quando uma das partes se anula, engole seco, vontades, verdades e apetites para satisfazer as vontades e caprichos do outro, seja como demonstração de amor ou mera sobrevivência.
Tal como as feras, a maior parte de nós recolhemos ao nosso secreto mundo num eunuco isolamento.
Envolto em roupas extravagantes, um homem entra com um cinto repleto de facas.
Eis um dos mais esperados do espectáculo circense do amor.
O atirador de facas! Confessem-me lá se não é a perfeita representação do que circunda uma relação!
Ciúmes, farpas, palpites, cobranças, comentários indesejáveis; cuidado!
Se uma destas facas lhe atingirem o peito podem contaminar-lhe a alma e o espectáculo pode terminar antes do previsto e levar consigo toda a magia vivida por todos os personagens durante a apresentação que, até então, pode ter sido esplêndida e triunfal.
Boa Noite Senhoras e Senhores!
O Circo do Amor vai voltar amanhã e todos os dias, enquanto houver amantes loucos e apaixonados neste mundo tão nu de sentimentos.



21-01-2010


6 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Sonhador

Sonho de texto...adorei.
Somos todos palhaços no circo da vida....marionetas...ilusionistas, somos tudo e nada.
Adorei.

Beijinhos
Sonhadora

Penélope disse...

Que sempre haja um circo de amor, um frágil e sensível palhaço, um mágico e uma pequenina bailarina para aquecer nossos corações, meu amigo.
Esta tua sensibilidade fez-me lembrar de A VALSA DOS CLOWNS de Chico Buarque e Edu Lobo, música interpretada por Jane Duboc em que diz: "Em toda canção o palahaço é charlatão, esparrama tanta gargalhada da boca pra fora, dentro do seu coração pintado, toda tarde de domingo chora..."
Faz parte da trilha sonora de O GRANDE CIRCO MÍSTICO, baseado na obra de Jorge de Lima.
Perfeito!
Só escreve assim, quem vive assim, cheio de sentimentos.
Boa noite!

Ana Isabel disse...

Quanto amor, medo glória,desilusão,tristeza,alegria, se escondem nos protagonistas que nos maravilham com a sua arte circense..

Quantas emoções por lá fervilham..

Muito bonito o texto.

Um abraço.

Rita Galante disse...

Olá doce amigo,

Antes de mais desculpa não ter vindo aqui mais cedo agradecer a tua tão amável visita, mas não pude... Fica aqui o meu obrigada.

Dentro dum circo, teatro, ou seja lá o que for... somos todos «artistas» neste enorme palco de nome Terra. Tentamos desempenhar os nossos «papéis» da forma que melhor sabemos... aceitando e respeitando, sempre, as representações de todos os outros, sejam elas do nosso agrado ou não. Isso é Amor, isso é o Teatro do Amor, isso é o Circo do Amor, como o chamaste.

Beijinhos de Amor, Luz e Harmonia,
Angel of Light
Ritinha

Ana Beatriz Frainer Burgarelli disse...

Eu até que tentei fazer um comentário, mas este texto mexeu tanto com o meu, que as palavras fugiram.

Unknown disse...

Ola..
Estou de volta finalmente ao meu espaço ... e digo-lhe que fiquei hipnotizada por este circo do amor! Adoro toda esta sua representaçao de um circo do Amor..
Obrigada por suas palavras no meu texto!
Uma boa continuação,
Beijinhos