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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Nunca fui um homem da noite


Nunca fui um homem da noite.

Nunca necessitei peneirar com as mãos os raios de sol no parir da manhã e seguir intuitivamente os desenhos das calçadas desenhadas a preto e branco.

Mas certa noite passei a dormir do lado de fora, sob as portadas da minha janela. Nas telhas do meu abrigo.

Passei a espiar o discurso das lâmpadas, que dão luz à cidade.

A intensa luminosidade passou a desviar o meu olhar do sono.

Comecei por descobrir uma estrela de um brilho inalcançável.

Passei a observar as vozes sem gente, e a conjugar os milhares de palavras que colidem entre si como um colóquio inteligível, de um mundo, cego e mudo.

Neste exercício de concentração, passei a observar-me com uma científica curiosidade.

Percebi que na sombra de uma falésia ou na morte de um rio, eu branqueei os cabelos da minha infância e afoguei um menino. Mas, há um sonho no qual eu tiro a pesada roupa dos anos, em que eu abro as mãos generosas da minha vista e recebo a luz, como uma aparição do sol num dia de trajes largos.

E nesse sonho, alguém dança sem gestos e pousa sobre mim, como já fez um dia, a pluma de uns pulcros olhos, fronha da minha quietude.

No leito do meu telhado, de pé, a mão na maçaneta da janela. Paro.

Com a janela fechada, cá fora é um mundo em movimento, de seres e não seres que trasfegam. É um limbo espalhado, é um tempo esticado.

Aberta a janela, seria a redundância irritante de uma casa oca.

Terei eu de facto descoberto uma estrela de um brilho inalcançável?

Ou simplesmente, um fogo-fátuo de um passarinho anfígamo e moribundo?