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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Nunca fui um homem da noite


Nunca fui um homem da noite.

Nunca necessitei peneirar com as mãos os raios de sol no parir da manhã e seguir intuitivamente os desenhos das calçadas desenhadas a preto e branco.

Mas certa noite passei a dormir do lado de fora, sob as portadas da minha janela. Nas telhas do meu abrigo.

Passei a espiar o discurso das lâmpadas, que dão luz à cidade.

A intensa luminosidade passou a desviar o meu olhar do sono.

Comecei por descobrir uma estrela de um brilho inalcançável.

Passei a observar as vozes sem gente, e a conjugar os milhares de palavras que colidem entre si como um colóquio inteligível, de um mundo, cego e mudo.

Neste exercício de concentração, passei a observar-me com uma científica curiosidade.

Percebi que na sombra de uma falésia ou na morte de um rio, eu branqueei os cabelos da minha infância e afoguei um menino. Mas, há um sonho no qual eu tiro a pesada roupa dos anos, em que eu abro as mãos generosas da minha vista e recebo a luz, como uma aparição do sol num dia de trajes largos.

E nesse sonho, alguém dança sem gestos e pousa sobre mim, como já fez um dia, a pluma de uns pulcros olhos, fronha da minha quietude.

No leito do meu telhado, de pé, a mão na maçaneta da janela. Paro.

Com a janela fechada, cá fora é um mundo em movimento, de seres e não seres que trasfegam. É um limbo espalhado, é um tempo esticado.

Aberta a janela, seria a redundância irritante de uma casa oca.

Terei eu de facto descoberto uma estrela de um brilho inalcançável?

Ou simplesmente, um fogo-fátuo de um passarinho anfígamo e moribundo?


domingo, 10 de outubro de 2010

Paradoxo


Se o véu que me tapa os olhos doridos das lágrimas soltas se rompesse, talvez hoje visse a vida a cores, no ecrã cinzento do meu caminho.


Mas que caminho?

Já nada me importa…

Quero seguir a exortação de quem sabe o que fala.

Quero voltar a trás sem cair no mesmo erro, mas sim voltar atrás caminhando, sem me perder…

Ter a coragem para seguir em frente, sem retomar o caminho errado. Tomar o caminho certo que quiçá um dia pensamos não ser o nosso e afinal está ali mesmo ao nosso lado.

Sei que existe um sol azul a meio caminho da angústia tomando a rota do sonho.

Mas o sonho é um vazio de mim, nem existo… como dizes.

Eu sim, fui a ilusão desse caminho que está mesmo à tua beira, no entanto pensaste não ser o teu. A cegueira está longe e a certeza tão perto.

Acredita que afastado ou próximo os teus raios de amor andam distantes e escondidos atrás das nuvens do desapontamento.

Assim, ficarei… sem ti, sem mim… sem nós. Ambos não existimos sem a sombra do outro.

Mas, até a própria sombra nos abandona…
Amo-te E.

Não tenho vergonha de o dizer... e sem vergonha te digo que será o meu derradeiro post.

Não haverá mais guerra. Eu sim, escrevo para ti e sem vergonha, porque o amor deve ser superior a tudo e a todos.

Um beijo para ti...







segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Saudades de mim





Quantas as saudades que já sinto de mim.
Tanto tempo perdido que já não sei se sofro o que vivo, se não vivo o que sofro.
Porque me perco, quando estou tão perto de me encontrar?
Porque permaneço sempre na berma vazia da estrada?
Quanta a nostalgia de sentir aquilo que quero ser.
Por que me perco quando pensei achar-te?
Perco-me de mim, de ti, da vida e do meu sonho e fico prisioneiro neste restrito pensamento.
Quantas as noites gastas a soletrar cores que não vejo, a cheirar odores que já não sinto.
Quantos dias consumidos a silabar o teu nome que não conheço?
Deixo cair do rosto vadio gotas de pensamento e aromas de ilusões dissolvidos.
Sei que me perco como criança distraída, nos meandros dos meus sentires.
Não quero que a cruel tristeza me trespasse como uma extrema violação.
Quero de novo encontrar a essência de sorrir, de viver, de amar.
Vou esperar pela noite que irá chegar, enlevar-me em mim, deixar-me embalar pelo brilho das estrelas, beijar a lua que me acompanha e quem sabe aguardar pelo sol furtivo do amanhã e quiçá me encontre dentro do meu corpo.



quinta-feira, 15 de julho de 2010

Semente



É possível

Que a memória se apague…


É possível

Que chegue o perdão...


O que não será possível

É que cada um

Não receba,

Na medida exacta,

O fruto correspondente

À semente que lançou à terra…


Eu estou preparado...





terça-feira, 6 de julho de 2010

Utopia de um sonho



De olhos cerrados, e coração lacerado, esta noite pairei num sonho lindo! Sonhei com o nascimento de uma filha.
Imaginam a emoção que foi? O meu maior sonho! Consegui ver na perfeição as feições dela e despertei com lágrimas a percorrer-me a face!
Sim! É isso, a filha que nunca tive… e não vou ter… tal como outras realidades que nunca alcançarei.
Mas voltemos atrás. Irei largar a utopia e agarrar-me à realidade que me sufoca.
Cobre-me o manto da noite, a solidão. Nos dias jaz a voragem insensata da minha loucura, enquanto meus olhos de chuva quente a transbordar caem no rosto e no teu olhar mergulham.
Não sei se solidão é não ter sono e escutar todos os ínfimos ruídos na rua.
Não sei se solidão é lembrarmo-nos quem somos e o que fazemos.
Não sei se estar só é estar ausente do corpo que mora num espaço repleto de multidão.
Não sei se solidão é escrever à flor da pele, ao estalar da alma, rodeado de memórias e títulos de lombadas já gastas e acompanhado apenas de uma música amena para não acordar quem dorme, espremer ao máximo os gritos que apetecia atirar até os ecos morrerem na neblina do Tejo e esquecer o agrilhoamento da porcaria que envolve o mundo como se esquecesse de que é nele que se pagam todas as injustiças.
Não sei, se estar só é a vontade de sair e gritar de pulmão aberto, acima das misérias, existe ainda a gratidão; e que bastava que ela fosse partilhada na reciprocidade para nos sabermos acompanhados.
Não sei se a solidão é a impossibilidade de respondermos sim ao que nos pedem.
Não sei se estar só é ser-se mal amado.
Não sei se solidão é viver perdido entre muita gente e cercado de uma permanente ansiedade.
Não sei se estar só foi vontade de Deus…
Agora, quero recordar os meus derradeiros anos de vida, como memórias penduradas nas paredes.
Os momentos onde te conheci, onde te amei, onde lutei pelo teu amor, e morri.
Parti ficando agregado a ti.
Ausentei-me de mim levando no colo do meu pensamento, a filha que nunca tive.


quinta-feira, 3 de junho de 2010

Changes


Uma das músicas da minha vida, da minha adolescência e do meu sentir. 


I feel unhappy
I feel so sad
I'v lost the best friend
That I ever had
She was my woman
I loved her so
But it's too late now
I've let her go
I'm going through changes
I'm going through changes
We shared the years
We shared each day
In love together
We found a way
But soon the world
Had its evil way
My heart was blinded
Love went astray
I'm going through changes
I'm going through changes
It took so long 
To realize
That I can still hear
Her last goodbyes
Now all my days
Are filled with tears
Wish I could go back
And change these years
I'm going through changes
I'm going through changes
Ozzy Osbourne

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O reverso da palavra



Quero escrever a minha existência, num verso de uma folha qualquer.

Escrever palavras incorrectas, como o equívoco que agarra os meus sentidos.

Vou virar-me do avesso e dizer tudo de mim… mesmo aquilo que está calado no fundo do coração.

Porque, dizer o que está certo, gritar a frase verdadeira, perde o encanto que nela habita.

Quero colocar aquele olhar perverso, que apenas espreita e não olha.

Quero ler o poema escrito, numa folha perfeita, com palavras correctas na beira de um verso qualquer.

Quero que exista sempre uma manhã de claridade ao despertar para ver a luz do sol num voo rasante sobre o Tejo.

Quero escutar o som das gaivotas que me falam de saudade e ver os barcos que naufragam nas águas revoltas do meu peito.

Agora as tardes já se perdem no rasgo traçado pelos barcos em calmaria.

Já não quero o meu olhar libertino, nem penetrar no meu oposto.

Quero poder navegar com os olhos do passado num corpo lasso, seguir rotas por explorar e soltar sonhos multicolores para o ar.

Desamarrá-los em lembranças vagas e ancora-los no porto da melancolia, enquanto a minha alma percorre o lusco-fusco, perdida e à margem de uma vida já premente.

domingo, 16 de maio de 2010

Insónia da saudade




As minhas incertezas ocupam o espaço limitado por todas as barreiras.
A melancolia repousa no tempo roubado à realidade, num mar onde não tenho pé, onde desaprendi de nadar.
Talvez me segure a uma rocha, talvez aviste o porto, talvez não. Talvez...
Mas enquanto a rocha não sobrevém e o porto é uma miragem, a saudade vai branqueando e pretende acompanhar-me no correr breve e veloz do tempo.
A saudade foi entrando sem pedir licença.
Primeiro uma doce lembrança, depois um vago desconforto.
Tentei resisti-lhe. Riu-se de mim e atiçou sentidos para melhor me dominar.
Foi-me envolvendo num laço que, a pouco e pouco, se apertou dentro de mim.
Tentou deitar abaixo os muros das minhas certezas. Carregada de pedaços de sonho, instalou-se como se fizesse parte do rio que me percorre.
Lutei, procurei tudo o que a vida me ensinou para a enfrentar. Mas, a cada argumento meu, respondeu descobrindo o que em mim residia sem que eu visse, sem que soubesse sequer.
Não me deu tréguas e já não tento domá-la.
Sei que se acalma no olhar das palavras, nas noites em que até o sono se esconde.
E sempre que a insónia me sufoca ergo-me incauto nas margens da noite, e atiro palavras contra a porta do silêncio.

domingo, 9 de maio de 2010

Lágrimas de sangue



A anódina das tuas palavras corta-me o coração às fatias,

na réstia de amor que a distância nos permite manter.

O dia nasceu num choro compulsivo, como o meu coração.

No rosto apenas as marcas da desilusão.

O que me sai da alma e me corre pelo rosto,

é a demonstração corpórea do que temos.

São lágrimas de sangue o que choro,

lágrimas levadas pelo mar e corroídas pelo tempo!

E o tempo começa a comprimir demasiado.

Hoje perdi uma asa no meu voar.

Não quis voar até ao altar que me esperava.

Quem sabe se perdi mesmo a capacidade para voar?

Que importa se já nem voar me dá prazer…

domingo, 2 de maio de 2010

A águia e o falcão


Conta uma lenda da tribo índia sioux, que certa vez, Touro Bravo e Nuvem Azul chegaram de mãos dadas à tenda do velho feiticeiro da tribo e pediram:

- Amamo-nos tanto que vamos casar. Mas amamo-nos de tal forma que queremos um conselho que nos garanta ficar sempre juntos, que nos assegure estar um ao lado do outro até à morte. Diz-nos se existe algo que possamos fazer?

O velho índio, emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados, disse:
- Sim! Existem coisas que poderão fazer, mas acautelo que são tarefas bastante difíceis. Tu, Nuvem Azul, deves escalar o monte ao norte da aldeia apenas com uma rede, caçar o falcão mais vigoroso e trazê-lo com vida, até ao terceiro dia depois da lua cheia. E tu, Touro Bravo, deves escalar a montanha do trono; lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as águias. Somente com uma rede deverás apanhá-la, e trazê-la viva até mim!

Os jovens entreolharam-se e com um apaixonante abraço selaram o seu amor e partiram para cumprir a missão.

No dia estabelecido, na frente da tenda do feiticeiro, os dois apaixonados esperavam com as aves.

O velho tirou-as dos sacos e constatou que na realidade eram verdadeiramente formosos exemplares dos animais que ele tinha pedido.

- E agora, o que faremos? Perguntaram os dois jovens.

- Agora, peguem as aves e amarrem uma à outra pelas patas com essas fitas de couro. Quando estiverem amarradas, soltem-nas para que voem livres.

Eles assim fizeram. Depois de as amarrarem nas patas soltaram as duas aves.

A águia e o falcão tentaram voar, mas conseguiram apenas saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela impossibilidade de não conseguirem voar, as aves arremessaram-se uma contra a outra, bicando-se até se contundirem.

Então o velho vendo os rostos tristes e surpreendidos dos dois jovens, disse:

- Jamais esqueçam o que estão a ver. Este é o meu conselho… Vocês são como a águia e o falcão. Se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, cedo ou mais tarde, começarão a provocar feridas um ao outro. Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados. Libertem-se para que possam ambos voar com as vossas próprias asas. Esta lição é uma verdade no casamento, nas relações familiares, de amizade e profissionais.

Respeitem o direito das pessoas voarem rumo ao sonho delas. E lembrem-se sempre que só livres as pessoas são capazes de amar.



Fonte: Lenda índia Sioux

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O QUE O AMOR NÃO É


“O amor não é o bilhete de identidade”: Sérgio Godinho

O amor não é tábua de salvação de náufrago. Quem se afoga, às golfadas, precisa de colete ou bote salva-vidas. O amor não faz boiar melhor.

O amor não é posição de autista a olhar para o próprio umbigo. Quem não olha o outro ama uma parte da sua própria imaginação.

O amor não é carta branca para denegrir a pessoa amada. Quem se julga superior por amar um ser inferior esconde problemas de auto-estima. Precisa da ilusão de superioridade moral que mantenha recalcada as dúvidas sobre os seus defeitos.

O amor não pode concorrer com o Xanax. Quem acha que não consegue dormir sozinho deve ir à farmácia pois os senhores que fabricam, distribuem e vendem soporíferos também têm filhos para criar.

O amor não é o Neoblanc gentil. Não branqueia a sujidade depois da porcaria que fica dita.

O amor não usa megafone de feira daqueles que anunciam: “ é o amor, meus senhores, é o amor! Do verdadeiro, do tradicional, do que vem dos tempos imemoriais, do Romeu e da Julieta, do Tristão e da Isolda e outros artistas que tais.” O amor não precisa de propaganda. Não se anuncia. Ele fala no silêncio.

O amor não impõe a obrigação de assegurar uma cerimónia fúnebre condigna a cada espermatozóide que os testículos do amado produzem.

O amor não sabe jogar poker.

O amor não anda na Montanha-russa.

O amor não é uma avestruz insaciável.

O amor não é um Nenuco chorão.

O amor não estudou retórica.

O amor não odeia.



Postado em Fevereiro 16, 2008,  no site Escritartes, por anamarques

sábado, 17 de abril de 2010

O principio do fim


Este texto não pretende ferir susceptibilidades é apenas um desabafo… Quem aqui se rever, acreditem que é apenas mera coincidência.

Porque tudo tem um fim?
Não direi que de forma propositada, mas por circunstâncias de momento, tenho vindo a desligar-me um pouco por falta de tempo deste local virtual.
Leio com carinho todos os comentários que de forma tão afectiva me deixam nestes espaços onde percorro os recônditos da minha vida. Quase não tenho lido tempo de retribuir… desculpem-me!
Talvez de forma inconsciente seja um cortar do cordão umbilical que me tem mantido a todos. Que me mantém vivo.
Todavia o cordão que une duas vidas é sempre amputado.
Acredito que alguns dos que habitualmente por aqui passam, não queiram que seja assim. Nem eu tenho a certeza de querer que seja assim. Quero acreditar nas pessoas, mas por vezes vagueio por “ai” e não sei o que pensar…
Do voo da borboleta diz-se que é belo. E efémero. Como a vida.
Assim da vida se possa dizer que, por curta que seja, cumpre a sua finalidade. Tal como o voo da borboleta.
E qual é a finalidade da vida? Não perguntem que isso já não sei. Mas hoje deu-me para aqui.
Embora sempre me dissessem que este Sonhador era "autêntico", há muito mais em mim do que ele. Este é um mundo fantástico e simultaneamente um orbe bem perigoso.
enho pensado bastante da atitude a seguir. Concluí que deixar de realizar algo que me presenteia, por atitudes que aqui descrevo, não será certamente a melhor opção, porque aqui (mundo virtual) conheci alguém maravilhoso  e é sobre a penumbra da minha sombra que a paisagem segura o horizonte cansado das minhas mágoas.
É na miragem do meu ténue corpo que mergulho toda a minha angústia.
É nas águas límpidas do meu coração que eu recordo os meus tristes sorrisos como crianças que em plena imaginação agarram o arco-íris.
Deixemos que os cães ladrem, porque a caravana irá sempre passar.
Nem que seja apenas para mim, que o sonho perdure.


sábado, 10 de abril de 2010

Eis a razão pelo qual me sinto, ninguém.


Hoje não me apetece filosofar sobre a transcendência dos egos, sobre mentes controversas, amizades coloridas ou descoloridas, pálidas ou seja lá o que for!
Cansei-me de planar a grande distância da realidade, e quero mergulhar na vulgaridade. Porquê? Quiçá no fim do texto encontrem a resposta.
Para começar vou praguejar: Que raio de tempos são estes, que nos humedece os neurónios e nos deixa em curto-circuito?
Dai-me paciência, meu Deus. Deus! Mas as minhas relações com a divindade não andam grande coisa, por isso corto o Deus. Fico só com a paciência, ou antes sem ela…
Isto tudo para dizer que não me sinto sozinho, sabes? Sinto-me isolado.
Tenho nos ombros uma vida, sentida e muito sisuda. Hoje pergunto-me se valeu a pena?
Para que estarei aqui a gastar palavras? Se quando falo não me escutam?
Quero lá saber, falarei com a minha companheira, que me segue para onde vou e não vou. Seja dia ou seja noite. Necessito desabafar. Preciso que alguém escute a minha dor, a minha indignação. Perceba a crueldade da nossa existência. Entender o quanto somos insignificantes. Atingir o verdadeiro sentido de existir.
Mas que digo eu? Para que me estou a cansar com frases que ninguém irá ler, com pensamentos que não serão sentidos, palavras que não querem ouvir.
Julgo que a semana passada coloquei uma flor a tingir um frasco de água… a cor é quase imperceptível, embora roce o afogueado, como se me avivasse a memória dos sinais de perigo.
Parece lamentar-se em sórdidos silêncios do meu desleixo, ultimamente. Recordei com saudade a orquídea que colhi num fim de tarde fria e que guardei com todo o carinho e amor, num jarro, num recanto escondido do meu coração.
Há quanto tempo não mudo a água à jarra?
Que vergonhosa patetice! Irá certamente murchar.
Corro como louco todos os cantos do meu coração à busca dela. Quero mudar-lhe a água.
O silêncio principalmente hoje dói-me e não tenho com quem desabafar.
Liguei o rádio na M80. A música soltava-se com o mesmo fervor do meu coração, em busca da “esmeralda escondida”.
A Ilídia Maria, que por acaso conheço, porque foi minha colega de liceu, berrava “telepatia” contra os meus pobres tímpanos. Quando a convenceram que sabia cantar, mudou-se para zona fina e mudou o nome. Lara Li é mais in!
Desesperado por não encontrar a minha flor, apesar da telepatia, peguei num copo que enchi de Jack Daniel’s. Escolhi este porque é destilado no Tennessee e por isso deve ser bom. Apenas isso. Ao fim do segundo copo, a vista turva e a língua a esbarrar nas palavras voluptuosas e controladas pelo álcool, ao atirar um “bom dia” a um vizinho.
Porque será que o álcool nos desinibe os sentidos e nos aveluda a alma com uma auto-estima, inebriante?
Eu falo com a orquídea, sabias? E ela falava-me tão docemente, até que se fechou em botão.
O amor e a amizade são uma flor frágil e por vezes desleixamo-nos. Deixamos que a água pútrida petrifique as recordações boas e as reduza a um punhado de coisa nenhuma.
Sento-me numa cadeira tal profeta desmoralizado.
Apetece-me de novo praguejar: Raio, porque será que o álcool e os meus olhos, não se dão?
Penso que só os animais ditos irracionais conseguem vislumbrar os verdadeiros profetas. Nós, nem os pressentimos, e passamos-lhe por cima nesta correria desenfreada feita de rotinas, que faz dos nossos dias, autênticos cromos repetidos, onde nada acontece que nos ajude à inovação. Mas, nem um cromo já colecciono.
O rádio continua a tocar na tentativa de me absorver. Agora debita alguns decibéis de “Everybody Hurts” dos “REM”.
“Well, everybody hurts sometimes, everybody cries…”
Não te isoles. Tapa os ouvidos e não escutes a estrofe de gritos, lamentos, suspiros, tristezas e até sofrimentos, queria somente poder abraçar, amar... Vem, preciso do teu cheiro, dos teus braços eternos onde adormeço os meus medos ancestrais.
Não escondas as tuas pétalas de mim, minha orquídea selvagem. Dá um tempo aos minutos. Dá uns segundos às estrelas que foram dormir e dá a tua existência à minha loucura.
Porque alteaste entre nós essa muralha invisível que apenas o olhar da alma consegue transpor. Há um estranho silêncio na tua voz.
É nesse silêncio esquivo que eu te encontro e te falo sem te ver, tal como o vento o faz quando rompe atrevidamente pelas brechas das janelas do meu quarto.
Que pateta! Achas mesmo que alguém… escuta?
Sabes, também não importa, porque sei que embora o negues, as tuas pétalas aprumam-se de cor para me ouvirem.
Por favor deixa-me encontrar-te para que te banhe com a água das minhas lágrimas e assim ajudar-te a ficar viçosa. Não murches a minha vida.
Fica a promessa que quando te encontrar te amarrarei com correntes roubadas à lua.
Ouvirei as palavras que quisemos dizer, mas que não dissemos, experimentarei, os amores que compusemos no lirismo dos nossos sonhos, sem pressa.

Não devemos ter pressa. Sabes? Não vale mesmo a pena termos pressa. Quem sou eu? Quem és tu? E ele? E ela? E aquela multidão que corre para conseguir um lugar sentado no comboio?
Certamente muita gente, seguramente ninguém.
Porque a premência que tenho agora é que o tempo aniquile o próprio tempo.
E sabem porquê?
Hoje, que não me apetece filosofar, queria antes rezar, mas já nem rezar sei.
Hoje o meu colega A.N. foi vítima de um AVC e está em coma profundo. Aos vinte e oito anos de idade foi embusteado pela seriedade da vida.
Casou há cerca de um ano e a mulher carrega no ventre, o fruto de uma união a dois, com sete meses.
Não fui capaz de explanar este acontecimento, sem ter viajado nas asas do sonho, porque em apenas dois dias, sei lá eu, se por falta de água, vi fenecer um cravo e murchar uma orquídea.
A vida tal como o amor deviam permanecer imarcescíveis.

Eis a razão pelo qual me sinto, ninguém.

Escrito em 08-04-2010

PS: A.N. faleceu hoje 09-04-2010 às 23:12 horas.



Amigo, Paz à tua alma.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Rosto



Entre as veredas de um jardim antigo
Tenho um rosto guardado num canteiro
Que rego com as lágrimas da descrença
Os seus olhos são amaciados pela noite
Desenhados outras vezes pelo sol
Rosto que foi o primeiro e derradeiro comigo.



Foste como a imagem de pedra nos olhos da terra.
Foste como a imagem da poesia para os bêbados e poetas.



Foste como uma porta a abrir
Uma janela a fechar
Uma flor a florir



Outros rostos impedem-me a viagem
Mas nenhum me convence
Enquanto não der pela passagem
Do rosto que não sei a quem pertence
E que nunca fez parte da minha paisagem.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Testamento



Quando eu morrer
enterrem o meu coração
por baixo de um velho castanheiro

Quando eu morrer
ofereçam os meus pés
ao pobre que caminha

Quando eu morrer
façam das minhas mãos remos
da barca pobre

Quando eu morrer
ofereçam a luz dos meus olhos
ao faroleiro daquele molhe no mar

Quando eu morrer
o que sobrar
pode ficar ai a apodrecer


24-03-2010

sábado, 20 de março de 2010

Até ao Porto


“Sentei-me na carruagem uns minutos antes da partida, folheando um jornal diário e olhando a manhã azul que se estendia sobre a gare do Oriente.
De repente, a minha atenção é captada por uma mulher que se senta num dos lugares opostos do corredor, num banco virado para mim. Teria cerca de quarenta anos, calculei, enquanto a via arrumar as suas coisas e sentar-se. Era uma mulher belíssima: cabelo longo ruivo e bonito, roupas sofisticadas, uns olhos esverdeados sob os óculos escuros que acabava de retirar.
Notavam-se aqui e ali pequenos excessos de moda, embora toleráveis a uma mulher bonita que as usava com o mesmo bom gosto com que usava o seu encanto natural.
Quando era miúdo, um dos muitos filmes que me marcou foi o Shangai Express, com Marlène Dietrich, um filme dos anos trinta de Josef von Sternberg. Esse filme criou para sempre em mim, no início da adolescência, o mito da mulher misteriosa. A mulher misteriosa que viaja sozinha num comboio, a sua beleza enigmática e o destino desconhecido para o qual se dirige. Suponho que mais tarde alarguei este conceito a outros meios de transporte nos quais viajei, mas o comboio era a mística original.
Strangers on a train, de Hitchcock sempre foi para mim um dos mais bonitos títulos do cinema, a expressão desse enigmático ponto de encontro para viajar.
Cada uma das mulheres bonitas que recordo ter encontrado a viajar sozinha era encaixada num sonho romântico com formas de película a preto e branco, num recanto da minha imaginação. Só que esta mulher com quem viajei, fez cair esse mito que armazenara no meu íntimo desde a adolescência.
Mal o comboio saiu da gare do Oriente, pegou no seu telemóvel Nokia de linhas estranhas, um modelo que eu desconhecia, e começou a fazer chamada atrás de chamada.
Olá, saí há dois minutos. Assim foi a viagem até ao Porto.
Chamadas e mais chamadas, longos minutos de conversa frívola e irritante. Será que Shangai Lily, a personagem de Dietrich, e as outras mulheres solitárias com que viajei no grande écran, teriam pensamentos e conversas íntimas assim, apenas cerceadas pela inexistência de um meio de comunicação apropriado? Levantei-me e fui fumar um último cigarro, deixando aquela revoada de palavras para trás, junto com os mitos e os fantasmas do passado.”

 In: Asas de bobloleta

domingo, 14 de março de 2010

A razão de um Adeus



Hoje faço 51 anos.

Não escrevo isto para que me dêem os para parabéns. Afirmo-o, para dizer um Adeus a este espaço. Até quando? Eu não o conseguirei dizer. Eventualmente quando conseguir ser um outro homem. Um homem pragmático, individualista, e sem coração.

Uns voltam, outros partem.

Chegou a hora da minha vida em que é preciso avaliar tudo que fiz dela até ao momento! É necessário passar o pente fino todas as situações vividas, varrer para fora de nós tudo que não nos acrescenta nada e saber tirar lições das escolhas, por vezes, infelizes que tivemos ou teremos em alguns momentos.

Os tombos da vida dão-nos um olhar mais refinado, para perceber coisas que só o tempo conseguiria mostrar. Por vezes e são muitas, é deixarmos de viver a nossa vida, para apenas vegetar no mundo, e perder tempo com coisas insignificantes.

Chega-se apor vezes a pensar que não se acredita em quase ninguém, em que dá vontade de criar um universo paralelo, vontade de fugir de tudo e de todos.

Esquecemos que a vida é um momento insignificante. Não nos lembramos sequer como somos banais. E basta um simples segundo para nos transformarmos em pó, que o vento levará para longe.

Durante uma fracção, neste tempo e neste espaço, vivi para ti, esqueci família, esqueci os amigos que não tenho, esqueci-me de mim…

É tempo de cerrar o meu coração. É hora de dizer um adeus. Despedir-me de ti, de todos, e principalmente de mim.

Irei confinar uma fase da minha vida. Uma vida sem cor, desbotada de amor, ferida de dor.

O medo assola-me de novo.

Tento agarrar-me a algo forte, tento agarrar-me a uma motivação que me faça lutar, mas encontro-me sempre só.

Apetece-me apenas esperar, esperar que esta imensa ventania me envolva e me leve, transportando todo este tormento como transporta o pó que ela beija, escondo-me de todos, escondo-me de tudo. Não há ninguém que me possa ajudar.

Ninguém me iria entender... nem tu!

Não quero perder a fé...

Não quero perder a esperança... mas resta-me apenas viver... viver com o eco do silêncio a ruir no espaço vazio onde me encontro!

O mundo esta mudado, e com ele vamos tentando mudar também, a diferença é que nós tentamos evoluir, o mundo parece regredir a cada segundo que passa.

Basta olha para o nosso lado.

A todos o meu obrigado.

Até sempre!

sexta-feira, 12 de março de 2010

A nossa primeira vez


"O desejo exprime-se por uma carícia, tal como o pensamento pela linguagem "
Jean-Paul Sartre


Acredito na força da escrita. Confio no seu poder. E só concebo escrever se me rasgar até ao âmago para o fazer.
Não condeno quem escreve apenas em busca de beleza estética.
Não sentenceio quem escreve com base na invenção pura, sobre algo que nunca sentiu.
Todavia, para mim a escrita é um sistema espinhoso, tem de começar por uma dor interior.
Eu não uso as palavras para escrever sobre mim, mas entrego-me nas palavras que escrevo.
As minhas figuras são fictícias mas tão reais, que quem as lê, pode pensar por vezes estar perante um espelho.
As personagens não existem, mas vivem aqueles sentimentos e sensações.
A solidão, a tristeza e o desespero existem e eu conheço-os.
Conheço-os bem.
Porque eu próprio os vivi e vivo. E este texto é figurino. Sei que alguém irá pensar e dizer… “Não é, que me revejo aqui?”

Não quero esquecer o dia que senti pela primeira vez as minhas mãos em ti, percorrendo todo o teu corpo numa carícia de desejo.
Na penumbra do meu quarto, o teu corpo desarmado encostei à parede.
De olhos fechados de semblante calado, inspirava o teu perfume que dançava no ar num misto eterno inebriar.
Teus cabelos espalhados em desalinho contrastavam com o níveo do meu pensamento.
Acariciei as tuas pernas de mulher como curvas sinuosas de um destino ignorado.
Tu cedida. Suave. Tão perto, que podia acariciar a tua mente, contornar a tua face, tornear os teus lábios, afagar os teus cabelos e sussurrar ao teu ouvido, frases desamarradas sem mágoa e sem lamentação.
Quis dizer-te o que nunca disse.
Dizer que me libertei, das algemas do passado, que quero viver a teu lado.
Que para sempre serei, mais verdade que sonho, mais refúgio que fuga, mais refúgio que adeus.
Os meus olhos desejosos de ti penetraram os teus e disseram o que os lábios não conseguiram dizer.
Os corpos fundiram-se numa valsa erudita de compasso binário composto.
O tempo correu veloz, sem horas, minutos nem segundos. Apenas um fragmento e nada mais. A nossa primeira vez, não esquece, porque existem muitas primeiras vezes. Mas, aquela nossa primeira vez terminou com um gemido de amor.

12-03-2010 (cerca das 15:00 horas, porque a hora é importante para mim e para alguém.)

domingo, 7 de março de 2010

Hotel Califórnia


Ontem saí à rua, de noite. Enveredei à esquerda na via principal e dei por mim numa estrada escura e deserta. O vento fresco penetrava pela janela do automóvel e acariciava-me a face esquerda e revoltava-me os frugais cabelos que me restam. Passei alguns quilómetros às voltas comigo mesmo, modesta companhia. Não vi rostos nem pessoas. Não vi nada. Apenas a solidão dialogava comigo o que me impedia de adormecer. Este é meu mundo. Um orbe em que a monotonia sou eu.
Um odor putrefacto emergia à arredonda do vento. Ao longe avistei uma luz de néon que tremia como eu de frio.
Quanto mais me aproximava da trémula luz, mais a minha cabeça rodopiava, causando-me náuseas. A vista começou a ficar turva. O suor gélido começou por me inundar primeiro as têmporas e de seguida todo o rosto.
A sensação que sentia era inesperadamente estranha. As pingas de suor cada vez mais abundantes inundavam-me a vista impedindo-me de ver a estrada. Encostei o carro numa berma. Desliguei o motor e abri mais o vidro da janela para que o vento frio me despertasse daquela infernal sensação. Ouvi o zunido da luz do candeeiro de rua que me cumprimentava com a sua melodia. Senti o roçar de algo no arbúsculo e vi de soslaio o brilho de olhos por entre arbustos. Aqueles olhos fixavam-me. Eu, contrariamente soltava-me do mundo real. Uma aragem trouxe o som longínquo de um comboio que passava rasgando a noite e retalhando o silêncio. Tinha de sair do carro e dar uns passos para despertar daquele letargo que me estava a condicionar a consciência.
Caminhei alguns metros, passos, de uma tontura perturbante. A custo cheguei a um banco de madeira que ali pernoitava indiferente ao escuro, ao frio e a mim. Numa conversa muda, queimámos cigarros e mais cigarros. Desabafei com ele sonhos, invejas, segredos e devaneios. Após algum tempo de parlatório comecei a sentir-me um pouco melhor. Estava a fazer-se tarde. Já a Lua nos sorria alto e ambos tínhamos sono. Ambos havíamos perdido a noção das horas e o céu já estava a fechar.
Logo de seguida começou a chorar e dele descendiam gotas que nos acertavam mas eram mornas, suaves e caíam suavemente como carícias.
O cheiro da terra molhada embalou-nos e tapou-nos com um pedaço de jornal da manhã que um qualquer mendigo deitou fora sem ler, amarrotado.

Lá estava ela na entrada da porta. O brilho do néon já não me afligia e vi na perfeição a silhueta da mulher vestida de vermelho. Um leve odor a sândalo prendeu-me as narinas. Passou a seguir-me e a acariciar-me o nariz.
Ao longe ouvi um sino, o sino da recepção. Pensei para comigo: “Estarei no paraíso ou no inferno?”
A mulher de vermelho acendeu uma vela e quis acompanhar-me até ao meu quarto.
Percorremos um corredor longo também trajado de vermelho. Ouvia vozes que se soltavam dos quartos por onde passávamos. Vozes afinadas, melódicas que me diziam:
“Bem-vindo ao Hotel Califórnia. Um lugar encantador. Um rosto encantador. Há muitos quartos no Hotel Califórnia que pode encontrar aqui em qualquer época do ano.”
A minha mente estava perturbada pela magia daquele local, pela beleza da jovem mulher que parecia deslizar as curvas do seu vestido vermelho sobre a carpete que cobria todo o corredor que parecia não ter fim.
Mais alguns metros, ela meteu-me uma chave na mão. Sorriu e deslizou de novo até ao fim do infernizo corredor.
Um homem de estatura descomunal, trajado de fraque preto veio ter comigo junto à porta do meu quarto e segredou-me: “Boa noite… Sou o porteiro. Desculpe, mas não dê muita veracidade ao que diz a recepcionista. Ela é possuidora de uma mente depravada. Finge ser quem não é… não passa de uma estéril de espírito que se desloca de Mercedes.
Assustado, eu queria entrar no quarto, mas ele agarrou-me o braço com a enorme garra e com um sorriso sarcástico continuou: “Ela tem vários homens, a que chama de amigos, mas que não passam de prisioneiros do seu insaciável desejo. Tenha cuidado, porque fará de si o mesmo…
Eu ainda mais apavorado, tentava desprender-me da prensa que me tinha algemado.
“Ontem à noite vi os lindos homens, dançarem no jardim suados como numa noite tórrida de Verão. Alguns dançam para lembrar, alguns para esquecer.”
Soltou um riso cavernoso, afrouxou a garra e desapareceu por uma porta que se entreabriu.
Finalmente entrei no quarto. Estava atordoado. Que fazia ali?
Passei as mãos trémulas pela pedra fria que vestia as paredes e senti a sua textura rugosa, porosa, como pele.
Peguei no telefone, chamei o Gerente e disse-lhe: “Traga-me vinho por favor”. Precisava beber…
Absorto, ouvi bater à porta. Com voz de comando disse: “Está aberta”.
Um garçon com ar enfezado e franja empinada colocou a garrafa no gelo com mestria.
“Sirvo?” Indagou com uma máscara de sorriso. “Não! Obrigado…” Ainda não tinha finalizado a frase e já ele rondando nos calcanhares se encaminhava para a porta. Com a mesma máscara colocada na face disse-me colocando o queixo no ombro: “Já não tínhamos este espírito aqui desde 1969.” Não entendi.
Peguei na garrafa e atirei os ossos para o leito que me desejava. Sem respirar engoli metade do néctar que me anestesiou totalmente.
Por vezes era despertado no meio da noite com as vozes que soletravam: “Bem-vindo ao Hotel Califórnia. Um lugar encantador. Um rosto encantador.”
Algumas horas depois abri os olhos pegajosos e turvos e descortinei a mulher de vermelho, que me disse soprando ao meu ouvido: “Bom dia estrangeiro. Dormis-te bem?”
Completamente zonzo olhei pela primeira vez para o tecto espelhado. Devolveu-me uma imagem de um homem esgotado e extraviado do seu rumo.
Ela, colocou uma garrafa de rosé no gelo, acenou-me um adeus provocatório e sem mover os lábios escarlates, disse: “ Todos nós somos prisioneiros por nossa conta.” Desvairado, abri a porta do quarto, corri a passadeira infinita do corredor até chegar a uma área que destoava do cenário. Uma porta semiaberta, de cor alva e onde assomava um ar fresco que me devolveu um pouco de estimulo. A medo empurrei-a, e no centro de um quarto todo branco, jazia uma criatura linda e delicada. Nua e feminina. Em posição fetal, notavam-se as cicatrizes de lutas tatuadas na pele suave. Cabelos escuros, lisos, serpenteavam-se pelos ombros. Os olhos negros abriram-se lentamente e miraram-me, como se tivessem captado a mesma essência que eu mesmo captara ao deparar-me com tal etéreo anjo. Ao segundo olhar tomei consciência de que era realmente um anjo… um anjo que perdera as asas, pela salvação de alguém.

O dia brotou cálido. O barulho que dormiu comigo acordou em alvoroço. O meu banco amigo tinha-se calado. Estava imóvel. Mudo. Os meus olhos tinham dificuldade em olhar para o despertar da manhã.
Mas amanheceu. E nesse dia amanheceu tarde, mais tarde que de costume.
No caminho de volta para casa vi as árvores nuas como se tivessem sido despidas à pressa. Já nem pressentia a passagem dos comboios e os candeeiros da rua apagados, sozinhos ao longo do passeio, já não me cumprimentavam. Nada era o mesmo. Ninguém, mas ninguém sabia o que se tinha passado. Nenhum ser ouvira aquelas estranhas vozes que me martelavam a mente… “Bem-vindo ao Hotel Califórnia. Um lugar encantador. Um rosto encantador.”
A última coisa que me lembro, foi a corrida para a porta para fugir dali e voltar ao meu fadado destino, quando o porteiro com a sua voz sepulcral, gritou: “Nós estamos programados para receber pessoas como tu. Podes assinar a saída as vezes que quiseres, mas nunca poderás sair daqui!”

Texto inspirado no tema “Hotel Califórnia” dos Eagles.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Conversa em Braille



Perdidos no tempo, num dia de Fevereiro, qualquer um. Um apartamento nos subúrbios de Lisboa. Um apartamento qualquer, em qualquer subúrbio de Lisboa.
Uma vida. Pode ser qualquer vida… Um casal. Qualquer um…
Será que alguém que me lê, qualquer um, se identifica com esta conversa?



Ela: Nós? Nós estamos comodamente casados sem…

Ele: Ias dizer sem paixão, mas não acabaste a frase. Lançaste a ravina para me atiçares o cão do teu desespero? Mas nem esboçaste a intenção de te lançares. Porquê? Por acordo?
És uma mulher difícil, uma ponte fugida de mim. Chega-te mais, até à boca de mim e vira-te, assim… de frente.

Ela: Eu? Uma mulher difícil? Essa é boa! Sou apenas uma mulher, não um teorema! Sim, aborreço-te como um borrão de rancor, brutalmente a apartar os nossos corpos, tornando a cama num golpe de frio. Claro que te aborreço, como um hábito ou um vício aborreço-te! Aborreço-te?

Ele: Agora que a sineta da pergunta tocou estrepitosa como solavanco sucinto tenho alternativa?

Ela: Não, não tens. És tu que tens a chave, vais abrir apenas um alçapão a céu aberto.

Ele: Não, desta vez a resposta não pode continuar à espera. Não há entendimento possível entre o eu que te ama, e o eu que precisa arrancar-te da alma.

Ela: Atrever-me-ei a tanto? A confessar que não sei amar? Queres tudo, é isso? Tu queres tudo, incluindo a fúria.

Ele: E a paixão não quer tudo? Talvez o problema é que acreditas na paixão como um auto-de-fé.

Ela: Pois acredito. Se não acreditasse estaria aqui a teu lado mesmo que desentendendo-te como desentendo? Viver o que vagarosamente morre?
Sei que vives distraído de mim. Não perguntas, não inventas desculpas. Nada!

Ele: Não pergunto? Desejas-me? Ou optas ser desejada?

Ela: Basto-te como ampola de soro que te vai nutrindo quando me possuis. Não me bastam as tuas mãos de compromisso, o teu sexo de compromisso, a tua boca de compromisso.

Ele: A mim simplesmente basta-me sem paixão. A ti não. Queres o absurdo. Queres a perfeição não percebes. Mas, a perfeição não existe.
Chega-te. Cinge-me mais, assim. Para não me sentir só. Para não te sentires só. Para partilharmos cegamente o inóspito. Chega-te mais.

Ela: Mas, vale a pena?

Ele: O casamento?

Ela: Sim.

Ele: É um nada, uma raiz aberta, intacta na sua inutilidade, que me cansa. Todos estes anos. Preservá-lo é mentirmos sobre a própria mentira.

Ela: Queres que comece de novo a recordar-te? Lembras-te daquela tarde em que nós… Eu a menina que te mirava, que te beijava os teus olhos azuis? E tu, o dócil jogador de basquetebol. Claro que nunca percebeste! Eu era os teus olhos azuis.

Ele: E tu lembras-te do teu arrojado decote? Também eu soube logo, da primeira vez que te vi, que jamais voltaria a ter semelhante visão. Relembro que para além do teu rosto não me perguntei quem eras. Um nome, e logo um corpo que me tomou nos braços. Um corpo cuja história escapava à minha. Um corpo que me tomou nos braços um corpo que se deixou tomar num apartamento nessa tarde.

Ela: Chega-te. Chega-te mais. Não! Não te vires. Não acabou tudo, mas algumas coisas extinguiram-se. Por vezes ainda falo contigo dentro da minha cabeça. Invento-te ainda. Continuo a inventar-te. A esperança é algo que inventamos. Uma ficção, e uma falha. Aquela tarde foi a nossa vida exactamente como poderia ter sido.

Ele: Isso é uma acusação a mim mesmo? O que queres que te diga? Acuso-me do que há em mim de amante exilado? Não. Peço-te, isso não. Deixa-te estar assim, não me tires a possibilidade de ser náufrago. Enrola as tuas pernas nos meus braços. Não quebres a única coisa familiar nesta casa que é o nosso corpo.

Ela: O teu amor… o teu amor, que digo eu? O teu desejo por mim não é um desejo. É uma guerra desmantelada. Um protesto contra qualquer coisa. Sou a tua desilusão? Queres jogar às realidades?

Ele: Talvez. Queres que me vá embora para poderes inventá-las? Será isso que queres? Será isso o que eu quero? A esperança é o último reduto, como uma trincheira em fogo. Inventamos. Queres que te beije? A esperança é mesmo uma falha. Vou-me embora. A vida é assim e não há outra. Só reconheceria totalmente intolerável que me dissesses: desisti de tantas coisas por tua causa e não valeu a pena…

Ela: Não me pareces assim tão vulnerável mas, não! Não digo. Sei que terás saudades minhas enquanto continuares a inventar-me naquela tarde em que nós… é estranho o tempo… longos anos cavalgaram em minutos e há minutos que se alongam até parecerem horas.

Ele: Como os minutos em que crias empatia com uma personagem fictícia?

Ela: Sim? É o que eu sou para ti? E agora que começo a vestir-me, o tecido do meu vestido é a última página do livro?

Ele: Inferi no horizonte de forma demasiado rápida o recorte da ilha a que nos dirigíamos ver-te agora alisar o cabelo é um agradável interlúdio. Uma sutura de arquipélagos. Um casamento que falhou, como se o mar se partisse. Deixa-me tocar-te. Deixa-me escutar os meus dedos pedregosos ainda tocar-te.

Ela: Para me converteres em personagem de ficção de um livro em Braille? Não! Não basta estares nu para poderes amar-me!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Alguém que me faz falta



Ontem senti-me triste. Hoje experimento uma sensação de amargo. E amanhã? Quem sabe aparente uma nostalgia.
Antes do amanhã, hoje vou tentar virar-me do avesso. Ver o interior de mim, respirar por todos os alvéolos dos meus carcomidos pulmões. Depois narrar para mim próprio a perpétua angústia que me acompanha há muito.
Volto a respirar fundo e agarro o ar com toda a força. Nos meus ouvidos um silêncio imponderável e agudo capaz de me rebentar os tímpanos.
Deixo fugir o ar, num esforço que leve com ele a tristeza que me enamora. Já não passo sem ela. Entre os meus lábios, uma muralha feita de espera. Vai-te com Deus.
Volto a engolir o ar frio que me resfria o corpo. Os olhos, marejados de sal sob o véu da ausência de alguém que me faz falta.
Uma insaciável fome de escorrer pelos contornos de alguém que me faz sentir carência. Uma enorme vontade de gritar até a voz me doer de rouquidão.
Existe em mim uma ferida aberta, sem sangue que me consome o corpo e a alma.
Ontem sentia-me triste, hoje um sabor a fel na boca.
Liberto-me do ar que me aprisiona. Corro para o jardim da minha concepção. Vejo árvores enormes vergadas pelo peso do tempo. Olho as papoilas vermelhas da cor da minha seiva.
Quero ser a abelha para em cópula colher o mel que existe no gineceu do teu corpo. Beber o mel no cálice do teu coração.
Transformar-me em vento sereno para te poder polinizar e dar-te o fruto gerado nos carpelos da minha imaginação.

2010-02-23

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Paixão boémia



Julgo que tudo neste país se tornou gélido. Neste final de tarde, o frio intenso apoderou-se igualmente de mim. Tomou-me por completo.
Acordei mesmo já com este pensamento. Despertei órfão de ti… e nem o sol que de manhã venceu a batalha dos cirros e que deixei penetrar na minha pele impiedosamente, me aquece o frio glacial que passeia pela minha alma.
É nas entranhas da terra, nos ornados verdes das planícies, que busco a serenidade espiritual, quando me sinto inquieto e triste. Mas nem sempre a imaginação me traz o cheiro do rosmaninho e o odor dos teus cabelos molhados pelas gotas do suor do teu amor.
Faz do teu harmonioso corpo a manta aveludada e quente dos meus sonhos.
Apertado a ti, quero desfrutar o calor do teu peito. Já não sinto o frio, mas sim a tua pele ardente de prazer.
Quero aquecer-me nos teus braços neste Inverno. Observar a lua lá longe no infinito a escorregar pelas vidraças da janela. O vento resmunga lá fora em soluços intermitentes.
Eu não o oiço. Esqueço tudo, só para te acolher no mais profundo íntimo do meu ser.
Talvez seja nesta bebedeira de azul e vento, que eu finalmente te reencontre nas serranias do pensamento.
Quero eternizar a magia quente do momento.
As tuas mãos hábeis dançam no meu corpo nu, apenas coberto de ti. Seduzes-me. Beijo teus lábios sedentos. Mordo-os e sugo a tua língua enquanto esculpo outras estrelas na tua pele arrepiada.
O que faço e desfaço é apenas loucura! Faço e desfaço o teu corpo de mulher como um instrumento musical. Toco-o com a levidade e mestria de um pianista.
Transformo o teu corpo num piano, percorro os meus finos dedos nas teclas de ébano e marfim do teu peito como se fosses um Schimmel de cauda.
Ouço o ritmo de nossos corações. Fecho os meus olhos e partilho contigo desejos únicos, como sentir a nossa sublime melodia, tocada neste piano ardente de paixão em “legato” como se o som das notas sucessivas fosse um contínuo tal como a nossa paixão.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Amor de perdição


Perdido de mim, como habitualmente, sento-me…
A perca de um familiar é agressiva, a perdição é ainda maior…
Perco-me em monólogos mudos numa qualquer mesa de uma qualquer esplanada. Soltam-se fumos. Um acastanhado de um cigarro mal queimado e outro cálido e odorífero da chávena cheia de café diante de mim.
Contemplo a minha mente a fluir pelo teu corpo. À medida que esta melodia invade o ambiente, fico estático... hipnotizado...
Sobressais do breu que me envolve. A tua áurea rasga a escuridão do cenário como uma estrela cadente em noite de Lua nova, como gritos a rasgar o silêncio de morte.
Arrefece o café enquanto batem os dedos redondos no tampo ao som de uma música surda tocada pela orquestra que, simplesmente, não existe.
Mas eu oiço o preguear dos tambores ao som do coração. Rufam como exércitos de aves rumo a norte, em convulsões poéticas. Recordo o teu corpo que copia as chamas da fogueira que nos aquece.
Liberto a mente, sempre em espasmos de lembranças e vejo-te a dançar solta como se não pertencesses a qualquer parte.
Pára a música, cai o pano e retorno desse mundo à parte.
Como é lindo o teu bailado. Balanceias o ventre lentamente de olhos cerrados e com um singelo sorriso nos lábios. Serpenteias as tuas mãos ao som da música. Danças como folhas ao vento na alvorada do meu Outono.
Morre-me o cigarro aos poucos na minha mão. A cadeira vazia ao meu lado confidencia-me a tua distância.
Puxa-me para a realidade de hoje.
O vento folheia o jornal que fala de notícia de tudo menos de ti. O telemóvel inerte no tampo da mesa não toca. As horas não passam. Venha uma lua nova que me devolva a ti.
A chávena agora vazia continua a arrefecer. Abraço-a na tentativa fútil de prender o calor, mas este foge. Volto a abraça-la na tentativa de aquecer as mãos e o coração gélido da ausência do amor, de ti.
Nem te vi partir… volta depressa.
O tempo corre tão rápido que tenho medo de não ter o meu tempo para te amar como gosto e sei amar com a totalidade do meu corpo, da alma e do coração.

Escrito hoje às 21:00

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Talvez o amor seja como o mar

Talvez o amor seja como o mar, que nos olha e depois nos deixa passar. Que nos refresca o olhar depois de tanto nos fazer chorar. Disfarça-nos as tristezas de escuros dias e depois desperta-nos para a vida.
É como o sabor do sal e a luz do sol antes do luar. O segredo que se refugia numa caixa de bonecas, assim, sem mais, sem ninguém o imaginar. O amor é como as lágrimas que vêm do mar. As palavras encerradas num resto de uma caixa de cartão, o sonho de uma rapariga, a viagem junto a uma praia antiga.
Lembrava com melancolia os quinze anos e o beijo de uma vizinha mulher.
Conhecia-a de habitar o quinto esquerdo do meu prédio. Éramos inquilinos do tédio, de nos cruzarmos nas escadas, de a apanhar, e ela a mim, a abrir a caixa do correio para a aliviar todos os dias de publicidade enganosa e contas que nunca pagava.
Eu era aquele rapazinho esquisito de roupa quente e humores glaciais que dizia bom dia, boa tarde, pouco mais.
Ela, já mulher, com cara de miúda amuada, nada uma flor de estufa, queria ser coisas e queria sê-las hoje. Como era que dizia? Hoje quero ser. Isto, aquilo, tudo. Muito inteligente, mas sem muita paciência para o som da tua própria voz, que eu adorava.
O amor não aconteceria, não fosse o carteiro ter-se enganado, naquele dia de luz fugidia mas calorosa e meiga de uma Primavera que chegava de avanço à hora marcada.
Desci o último lance de escadas no meu casaco preto, funesto, esfiapado e fui dar contigo a largar um cachão de envelopes directamente da tua caixa de correio para o balde do lixo.
Tudo lá caiu, com o roçar surdo de papel com papel abafado pelo rebentar dos teus balões perfeitos de pastilha elástica sabor a tangerina.
Não me viste. Seguravas uma carta com dedos de anéis grandes e ruidosos e unhas de gel. O teu semblante era de concentração, arrebanhando todos os pontinhos de espírito num lugar só teu, não os deixando desgarrar. E eu em silêncio, à espera, com medo de fracturar a linha ao teu pensamento. Até que, sem aviso, te viraste para mim, olhos como eu nunca vira, e disseste:
- Olá!
Calaste-te, depois disso, e eu nada disse. Fiquei a olhar-te, acho que com a minha cara de sempre, nem boa nem má, mas já estava completamente perdido de amores por ti. Portanto, devia ser boa.
Fizeste um balão que cresceu perfeito dos teus lábios rosa até esconder toda a tua cara de mim, por momentos e, quando explodiu, a pastilha desapareceu dentro da tua boca por artes mágicas e ali estavas tu outra vez e estendeste-me a carta ao comprido de um braço tatuado.
- És o Rui?
- Amo-te – pensei.
- Sim – disse.
- Parabéns… Foste seleccionado para um sorteio final das “Selecções do Reader’s Digest”. Podes ganhar duzentos e cinquenta mil euros. O carteiro enganou-se e meteu isso na minha caixa. Ele deve julgar que eu e tu somos parecidos.
Estendeste-me a mão.
– Sou a Carla.
- Sou teu – pensei.
- Sou o Rui - disse.
- Eu sei – disseste tu, aproximaste-te e debruçaste o teu corpo que cheirava a pastilha elástica e a sol sobre mim e a tua unha de gel sapateou no envelope.
– Diz aqui, não diz? Rui.
Larguei o envelope no balde do lixo, junto com a tua correspondência, e tu sorriste e aquele dia assim visto do teu sorriso parecia cheio de promessas que os teus olhos garantiam cumprir. Depois, abri a minha caixa de correio e despejei todo o conteúdo no mesmo balde e começaste a rir às gargalhadas com aquele meu último triunfo pessoal sobre todas as coisas e passado um bocadinho também eu estava a rir e passado outro bocadinho também eu estava a rir às gargalhadas. Então, disseste:
- És espectacular!
- Sou? – Perguntei.
- … Teu – pensei.
- Sim! – O teu grito de confirmação deve ter ecoado escadas acima até ao nono andar assustando todos os inquilinos que se deixavam dormir até mais tarde na esperança de com isso resolverem todos os seus problemas.
- Claro que és! Acabaste de tomar consciência da tua liberdade e pelo teu ar consigo perceber que gostaste. É como seres adulto e por um feliz acaso reencontrares-te com aquela inspiração própria de criança e aplicá-la a uma data de coisas. Reiniciaste a tua mente, não sentes? Não sentes a estrutura do teu cérebro a alterar-se?
- Isso é… - hesitei - porque estou apaixonado por ti – pensei - Pois é! É mesmo!
E ficaste a olhar para mim enquanto eu absorvia as cores arrebatadas da nova realidade e permitia que o sentimento de felicidade que desprendias tão generosamente me preenchesse com uma energia viral, isolando-me para sempre da melancolia azeda da solidão e algo em mim dizia-me “estás à vontade para interromper este estado de desvario quando te apetecer”, mas eu não lhe dei ouvidos. Era como se pudesse finalmente começar a viver a minha vida em vez de me deixar ficar sentado à espera. E então, parvo, eu disse:
- Quero casar contigo.
Foi estranho, eu sei, mas tu riste-te e disseste:
- Casar? Mas ainda nem nos beijámos.
E eu, caindo em mim, pensei:
- És capaz de ter razão. Não ligues.
Mas, gravemente parvo, disse:
- Não preciso de te beijar para saber que te amo.
Beijei-te à mesma.
Mudei de linha, saltei o verso. Escondi-me atrás das árvores de frutos vermelhos e brilhantes, tentei resistir, mas em pouco tempo mordi o pecado da diferença.
Há um momento suspenso no vazio do tempo. Um momento em que a vida nos mostra o quão frágeis somos e o nada em que nos tornamos num instante. Perturbante e errante ante o pressentimento do inevitável.
Resolvi pensar! Tranquei-me numa casca de noz. Pedi emprestado um quarto da lua e esmaguei a ilusão com dois ramos de salsa. Mandei passear o lençol pela avenida do amor.
Entretanto, já havia pensado!

(Baseado num texto que li algures)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Despe-me





Não sei o que sou, nem sequer porque escrevo.
Apenas sinto esta carência dentro do meu ser e cravada no meu coração.
Preciso catapultar o pensamento, embriagar-me com as emoções que transformo em palavras.
Existo, penso, mas não encontro a simbiose desta essência.
Conheço os meus limites e a vida que corre em desencontros.
Até do teu nome já me esqueci porque não te vejo o tempo necessário para o fixar.
Lembro apenas o rosto e a silhueta perfeita. Sinto nas minhas mãos as lágrimas que te aparei quando escorregaram dos teus olhos negros da cor da minha alma.
Vem me conhecer como sou. Podes chamar-me alienado por querer o sol morno e prateado.
É miragem, bem sei, rápida, momentânea, mas quero-me assim, louco.
Vem, rompe as barreiras e as vestes do marasmo e tenta descobrir-me em mim.
Ama-me com fúria desmedida retalhando artérias e veias até me encontrares.
Vem e funde-te em mim. Embriaga-me no calor do teu carinho.
Despe-me as palavras do impulso que me envolvem nesta camuflagem que me inibe de gestos meigos e de odores silvestres.
Despe-me de segredos, medos, vontades contidas em soluços.
Sim, chama-me louco. É, quero ser louco, assim. Sei que sou instável, mas brilhante como o sol. Sei que dou luz, mas que por vezes escureço.
Sou timido como a lua que me ilumina, acanhado como ela que nem sempre mostra a cara!
Chama-me louco, serei!
Amor demente é andar desamparado na esterilidade da solidão, e ser descoberto pelo bater do teu coração.


2010-02-01