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domingo, 18 de setembro de 2011

A ÚLTIMA DAS AMANTES



Vezes sem conta perco o equilíbrio do meu raciocínio e mergulho no abismo dos sentimentos. Faço das tripas coração para não sentir o sal que me arde nos olhos. Noto agitação sob os meus pés, mas não compreendo porque se move a terra.
Admiro o pôr do sol quando as nuvens de cor de sangue se rasgam no céu e o grito das gaivotas me queima a garganta de comoção.
Quantas vezes tenho receio de pensar. O medo da verdade aterroriza.
 Sempre que o escuro se achega tenho medo de nós.
Não o tenho de uma tempestade ou de trovoada, mas sim da acalmia, da serenidade quando tudo termina. Sinto o suor escorrer pelo frio que me faz na alma… tenho incessantemente medo quando a rotina se instala sorrateiramente e nos faz perder aqueles pequenos focos de luz que a quebram.
Sempre os mesmos locais, impregnados dos mesmos cheiros e dos mesmos sons. Os mesmos rostos vestidos da mesma disposição para encarar o mundo, ou simplesmente para sobreviver nele.
Arrepia-me observar a minha pele feita das nódoas negras provocadas pelas pancadas da desilusão, do despotismo que me estrangula, da falsidade que me rasga. O meu coração é um mancebo sem cor que rasteia pelo prado do teu corpo.
Ainda ontem entrei na capela esvaída do meu corpo e comunguei lágrimas de saudade ao ouvir o bamboar dos sinos em teus passos.
O mar que tanto me cativa derrama-se inteiro dentro do seu peito que me impede de respirar. Dói!
Abri a janela do quarto para deixar embocar o vento de mansinho. Cerrei a porta. Enclausurei-me do mundo. Deitei-me a contemplar para o tecto com uma música no ouvido. A banda sonora, ideal para me sentir assim.
Gosto de estar sozinho e emparedado. Parece que todas as forças do universo se movimentam para lá de mim, para deixarem o meu pensamento correr livremente.
Vejo as ruas brilharem na escuridão dos teus olhos, enquanto o céu denigre no cinzento triste dos meus.
No negro dos teus olhos antevejo os becos da minha ruína.
Nessa imensa escuridão vejo o prenúncio da noite da minha insónia.
Na interminável  penumbra dos teus olhos mergulho em ondas salgadas na busca da parafernália dispersa pelos anos sem tréguas.
Nas luzes da noite me encandeio, na cidade sem cor, procuro o fulgor dos teus olhos sem fim.
Nas palavras que prego tento encontrar o ágape que me sustenta o espírito.
Queimam-me nas mãos as lágrimas, deste amor que vive na orla do abismo.
Nas lágrimas que semeio flutuo até ao conventículo onde os meus fantasmas pernoitam na angústia da minha perdição.
Com as labaredas do teu olhar decalco no peito a mácula da minha dor.
Como uma raposa de fogo, ateias o desejo na eira do meu corpo.
Visto-me pacientemente de negro como o risco que traças nas pálpebras impacientes e desenho-me numa mancha difusa de instintos.
No negrume dos teus olhos, não te encontro, e como um aguilhoado peregrino, trilho o dédalo que incessantemente nos separa.
Serás tu a minha Divina proporção? Ou a última das amantes?
Tenho medo, mas um dia também eu terei a minha solenidade. Alguns irão chegar carregados de flores de um odor pérfido que depositarão ao lado do meu féretro, mas só tu irás chorar com a face encostada ao gelo dos meus lábios inundados de púrpura.
Porque tu és, seguramente, a última das amantes.