Hoje tenho o coração amortalhado.
Quero gritar, mas a voz doí-me no peito.
Tenho que desaparecer, mas não sei para onde.
Vou vestir igualmente a alma de negro e procurar um curandeiro de amor.
De repente, lembrei-me que a minha infância existiu.
O ano de 1959 corria de feição numa vila do interior ribatejano. Terra de azeitonas e azeite o odor dos lagares ainda hoje me invade as narinas. Em Março, o pranto de um recém-nascido ecoou na rua, oriundo de uma casinha pintada de amarelo.
Meio século me separa da casinha amarela, dos lagares e do odor do azeite.
Não fui eu que escolhi o silêncio do tempo, nem descobri o grito do fogo.
Não fugi do pó da guerra, que os touros levantavam quando devastavam a planície do meu olhar.
Nunca me assustei com o estrondo do trovão durante a tempestade nas noites de Inverno.
Nunca me senti sequer desconfortável com as vestes da sombra no meu quarto sombrio, nem entre os farrapos da tristeza que me vestiam.
Mas a vida, no seu ritmo empolgante, leva-nos para longe, a esquecer algumas coisas que, de tão inesquecíveis, julgamos nunca esquecer.
Existem dias em que sonho e revivo os meus seis anos, mas já não me circula nas veias o sangue dos pactos de petizes nem conheço mais as ruas e vielas da vila que antes me cabia na palma da mão.
De repente, estou ali, sozinho. O passado, ali à minha frente, teimando em dizer-me que no presente deveria encontrar formas de o preservar no futuro.
Sim, porque o passado faz parte de nós. Termos deambulado pelo passado faz com que exista presente e só com ele poderemos construir o futuro.
Ali estava eu, menino, puro, longe dos vícios da vida, da podridão da sociedade adulta, da constante competitividade que nos cega diariamente e nos priva do azul cristalino das águas da nossa imaculada meninice.
Voei. De repente esvoacei pelos dias mais recônditos, de maravilhosas aventuras, de momentos de amargura, mas garantidamente de grande inocência e felicidade.
Estava de volta. Despertei da letargia e estava feliz. No entanto ao abrir os olhos, chorei lágrimas de saudade. Isolei-me da solidão que me acompanha desde menino. Envolvi-me amorosamente com a puta da vida ali para os lados da linha de Sintra.
Tendo apenas essa desditosa como companhia, eu percebi que ninguém pode acabar com a solidão da sua vida sem primeiro acabar com a solidão que existe dentro da vida.
E se, a solidão é um estado de espírito atraímos igualmente alguém solitário.
Tentei um dia um relacionamento. Nada me deu. Conclui que um caso amoroso não me dá nada que eu não tenha.
Todos nós podemos ser felizes sozinhos, mas é bom ser feliz acompanhado. Ser infeliz sozinho é garantia certa de ser infeliz acompanhado.
Pois foi o que me sucedeu.
Percorri as obscuras ruelas do amor para encontrar finalmente um amor ideal, um amor fiel.
Ao fim de alguns meses, verifiquei que a fidelidade por coerção, por medo de perder, por ameaça é o caminho mais rápido para a infidelidade. O prazer da liberdade tinha-me sido retirado. Não foi uma escolha a fidelidade, foi eventualmente uma obrigação.
Farto do destino, encontrei uma mente aberta, moderna, livre de tabus.
Evaporou-se… a mente e condensaram-se os tabus.
É verdade leitores, todos relacionamentos abertos, mais cedo, ou mais tarde acabam. Porque num relacionamento desse calibre um dia um dos amantes acabará por encontrar uma outra oportunidade de relação e escolhe essa outra possibilidade por ser mais interessante e por estar sendo escolhido.
Venho pensando seriamente em tudo isto. Que querem…
Depois observo e leio os temas da maioria dos blogues, em que a infelicidade, o amor infeliz, a relação não correspondida impera e é um mote repetitivo.
Talvez esteja de facto embusteado e esteja a ser influenciado pela minha infância tardia.
Quem sabe se esta forma de olhar o mundo se deve a esta eterna alegria de ainda o olhar com os olhos de uma criança crescida.
Quem sabe se esta forma de olhar o mundo se deve a esta eterna alegria de ainda o olhar com os olhos de uma criança crescida.
26-01-2010